Eu sei que falei que não voltaria mais para esse lugar, mas devo confessar que sinto a necessidade. Principalmente agora. Sabe, esse diário muitas vezes parece um lugar.
Um lugar a parte, separado de tudo, onde posso refletir sem perturbações. Com as águas aplainadas de um lago intocado.
Muitas vezes parece também uma pessoa, mesmo que essa pessoa nunca responda. Talvez essa pessoa seja eu.
Estou parecendo um louco.
Acho que nós dois estamos.
Ela anda obcecada com essa história de gato. Passamos três dias procurando ininterruptamente pelo maldito bicho. Comecei a expor minhas dúvidas, mas ela insiste que o gato está lá em algum lugar. "É apenas uma questão de encontrarmos ele", repete todas as vezes.
Sabe o que eu acho? Acho que finalmente surtou. Enlouqueceu. Não aguentou mais essa realidade em que nos encontramos e começou a imaginar coisas. Não lidou bem com a minha esquiva sobre tentar ter filhos e sua mente não aguentou mais. Agora desenvolveu essa obsessão por um gato inventado. E quer me arrastar para o buraco com ela. Não adianta conversar, ela só sabe falar sobre isso.
Hoje, por exemplo, ela nos fez continuar a busca mesmo após o cair da noite. Sem iluminação nas ruas, a escuridão é considerável. Você não enxerga a distância e os detalhes não são nítidos mesmo de perto, é tudo um grande breu.
"Mulher, é melhor voltarmos agora", falei mansamente, não querendo antagonizá-la. "Nessa escuridão nós não vamos ver nenhum gato. Vamos descansar agora e amanhã tentaremos de novo."
"Se você fizesse silêncio nós poderíamos ouvi-lo", ela respondeu com rispidez perceptível. "Gatos são felinos com hábitos noturnos. Nós temos uma maior chance assim."
"De onde você tirou essa informação?"
"Todo mundo sabe disso."
Todo mundo, pensei, se reduzia a nós dois. E eu não tinha certeza sobre aquela informação. Preferi não dizer nada do que pensava.
"E como vamos fazer quando encontrarmos o gato?" Perguntei, enquanto andávamos lentamente pela escuridão. "Simplesmente vamos agarrá-lo?"
"Você me subestima. Sempre foi assim", reclamou. Estava com uma postura agressiva. "Olha o que tenho aqui."
Ela riu e me mostrou uma sombra cilíndrica.
"O que é isso? Não consigo enxergar."
"Comida de gato", esclareceu. "Vamos atraí-lo e fazer com que confie na gente. Ele deve estar tendo dificuldade para encontrar comida."
Isso era verdade; se fosse um gato doméstico, como estaria sobrevivendo sem alimentos? Nem mesmo caçar ele conseguiria, não havia sinal de outros animais por aí. As dúvidas apenas se acumulavam em minha cabeça, mas ela parecia resoluta.
"Vem cá", chamei, após uma meia hora. "Você não prefere ir para casa agora? Podemos ver Mama Mia no conforto do nosso sofá."
Ela se virou em minha direção e senti a hostilidade presente em sua postura.
"Qual é o seu problema?" Perguntou irada. "Você não entende a importância disso? Não consegue entender a seriedade da situação? Não é só o gato! Isso pode significar que não estamos mais sozinhos aqui, apenas que ainda não conseguimos encontrar outras pessoas, outras formas de vida. O fato de estarmos sozinhos não é mais uma verdade absoluta! Existem mais coisas por aí e nós precisamos encontrá-las! Precisamos fazer algo!"
Entendi exatamente o que ela queria dizer. Ainda assim era difícil ter certeza. Eu não tinha visto nenhum sinal em todos aqueles meses. Toda aquela busca era baseada em um simples relato dela. E nós nos encontramos em situação de fragilidade mental.
Permaneci calado.
Começou a chover muito e ainda assim nada falei. Continuamos a busca.
Continuamos andando até ela se cansar.
Parecia extremamente frustrada.
"A partir de amanhã, eu vou procurar sozinha", avisou. "Seu pessimismo não ajuda em nada. Na verdade, ele só atrapalha."
"Desculpe", falei com sinceridade. Não queria causar mais um problema entre nós. Era só o que restava. Não um gato fujão ou outras criaturas. Nós.
"Não peça desculpas. Eu sei o que você pensa. Sei que pensa que enlouqueci e estou inventando coisas. Mas tenho certeza do que vi. E vou continuar procurando."
Ela se aproximou, cruzando a escuridão até que sua imagem ficasse totalmente nítida. Tinha lágrimas nos olhos, lágrimas que pareciam brilhar como estrelas durante a noite.
"Sabe? Eu não desisti. Diferente de você, não vou ficar aguardando a morte chegar como se tudo isso fosse definitivo. Se houver esperança, por mais improvável que pareça, eu vou perseverar. Afinal, tudo que aconteceu até agora, mesmo antes de estarmos sozinhos, tudo é resultado de uma grande improbabilidade."
Não esperou por qualquer resposta, apenas andou para longe dali. Permaneci no lugar, aquelas palavras ecoando em meus ouvidos. Até mesmo agora, enquanto escrevo, as palavras de minha esposa permanecem retumbando dentro de mim.
Será mesmo que eu já havia desistido e me conformado?
Ou será que a merda do gato era somente uma alucinação?
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Ainda Estamos Aqui
Short StoryEssa é a história do último casal do planeta contada a partir de seus diários pessoais.