Capítulo dez

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  — Desiste Clara. Estamos presos.

Havia acabado de tatear as paredes à procura de uma saída de emergência e eu estava ofegante. Meu celular estava sem sinal, assim como o de Rodrigo. O botão de emergência não funcionava e o interfone estava mudo. Provavelmente a energia havia acabado, teríamos que esperar e esse era o meu fim. O nosso fim.

Coloquei as mãos na cabeça e emiti um gemido de frustração. Estava secretamente grata por tudo estar escuro, para que Rodrigo não percebesse o quanto eu estava incomodada. Encostei minhas costas na parede fria do cubículo e deslizei até o chão. Poderiam levar horas para saírmos dali. Mesmo que levassem apenas cinco minutos, seria um tempo que teria que passar com aquele menino, que eu não tinha certeza se era muito tímido ou muito babaca, o escuro e o silêncio.

Quando eu tinha dez anos, briguei com uma menina da minha classe. Não lembro o motivo, mas lembro da professora ter nos levado à diretora, que obrigou nós duas a fazermos as pazes. Eu obviamente não queria me desculpar, mas tive que pedir perdão para a garota. Recordo-me do desconforto que senti, e eu me sentia assim em naquele momento. Sendo forçada a conversar para matar o tempo, sendo obrigada a desenvolver uma amizade. Tudo por causa de uma caixa de metal estúpida que decidiu parar enquanto estávamos dentro.

Ao escutar o som do meu corpo deslizando, Rodrigo faz o mesmo, sentando ao lado oposto em que estou. E permanecemos assim, sem conversar, pelo que parece ser o infinito. É possível escutar o som nítido da mão de Rodrigo coçando sua cabeça, tamanho que é nosso silêncio. É irritante. Aproveito aquele instante para pensar. Desconfio que ele estava bêbado na festa. Como ele teve coragem de se colocar na frente de todos e falar para todos irem cuidarem das suas vidas e deixarem a minha em paz, se ele não consegue trocar cinco palavras comigo? O álcool pode fazer coisas inimagináveis. Muitas pessoas perderam tudo que tinham por estarem bêbadas e não terem noção do que estavam fazendo. Rodrigo poderia ser um desses casos.

E todas as palavras bonitas que ele falou para mim, depois de ter me tirado daquela situação? Poderiam ser traduzidas em algumas latas de cerveja. Ninguém está seguro. Coisas ruins acontecem o tempo todo, e nunca deixarão de acontecer. Palavras sem nexo, produzidas pela bebida.

Estava pensando na hipótese daquele vídeo inteiro ter sido uma montagem, quando sou despertada dos meus devaneios. Dedos tocando no metal do elevador. Fico esperançosa, achando que alguém está tentando abrir a porta, mas é algo diferente. Quem está batendo tem certo ritmo. Os sons tem coesão. Então, me surpreendo quando reconheço a batida. É a batida de uma música, e está sendo tocada por Rodrigo. Era a primeira música que ele escutou no início da manhã, para evitar conversar comigo. I wanna be yours.

Tínhamos um assunto em comum.

Provavelmente ele iria me achar estranha, talvez o clima do elevador ficasse ainda mais pesado, mas eu me arrisquei. Eu estava ficando boa nessa "coisa" de arriscar. No estado que eu me encontrava, eu estava arriscando tudo.

Peguei a minha bolsa e retirei meu caderno de dentro dela. Coloquei-o no meu colo e comecei a tocar também, batucando o caderno, acompanhando seu ritmo. Nossas batidas inicialmente combinaram perfeitamente, mas o som dele foi interrompido. O garoto parara de batucar ao ver que eu estava acompanhando. Ele provavelmente não estava tendo noção de que estava tocando no ritmo da música, por isso se atrapalhou ao ver que eu batucava junto. Ou talvez seja a insegurança gritando dentro dele. Eu entendo bem como é isso.

Meu irmão sempre me dizia que todos merecem uma chance. Todos. E coisas maravilhosas podem acontecer, a partir de novas oportunidades.

No meio do caosOnde histórias criam vida. Descubra agora