Só que, no fundo, os justiceiros são também bandidos e começam a matar a torto e a direito, só por prazer ou, então, de ouvir dizer: "Aquele é marginal, o outro rouba carro, aquele assalta casa" e por aí... Então morre gente inocente, como o Zeca da dona Margarida, que vinha voltando da escola belo e famoso e levou um tiro bem no meio da testa, porque foi confundido com marginal. Não deu nem pra dizer "aí". Ficou largado no meio da rua, que nem cachorro atropelado. E teve outros como ele.
Mas tô desviando assunto, quero mesmo é falar da minha vida. Eu tinha muitas colegas lá na escola, mas amigas mesmo eram a Deolinda, a Miracê e a Cejana. Todas da minha idade.
A gente vivia colecionando fotos de artista de cinema, de tevê e de cantores de rock... Chegou a fazer um fã-clube do nosso cantor preferido...As vezes, até dava pra pegar um cineminha no domingo de tarde, quando sobrava dinheiro, claro. O que mais a gente fazia mesmo era ver tevê e conversar. Ah, também gostava muito de colecionar papel de carta, mas foi ficando tão caro que nós paramos, porque só dava pra trocar,então ficava tudo repetido, não tinha mais graça.
A Miracê era a mais gozada de nós. Ela gostava de fumar escondido. Só que tinha de escovar os dentes antes de entrar em casa, porque a mãe dela é fogo, mandava ela abrir a boca pra sentir o cheiro de cigarro. Outro dia, pegou a Miracê fumando no banheiro. Ela ficou uma semana de castigo.
Quase não tenho visto mais a Miracê, a Deolinda e a Cejana. Elas vieram aqui na minha casa uma vez ou outra. Estou assim meio sem amigas...
Pois é. Eu tava nessa vidinha mais sossegada, da casa pra escola, da escola pra casa... Eu tinha tantos sonhos! Deixa pra lá, depois eu falo nisso.
As minhas amigas também. A Miracê queria ser artista de tevê. A Deolinda queria ser modelo. Eu morria de rir, porque ela é gordinha e baixinha. Que modelo, Deolinda! Mas ela jurava de pé junto que ia fazer regime e crescer... E virar modelo de capa de revista, eu que esperasse pra ver.
A Cejana queria ser médica, mas ia ser uma barra realizar o sonho, porque a família dela é tão pobre quanto a minha. Cadê dinheiro pra fazer cursinho pra entrar na faculdade? Era a mais estudiosa de nós quatro. Dizia que só ia casar depois de formada, e nem queria saber penca de filhos como a mãe dela, que tem seis.
Todo mundo me acha bonita, um corpo quase de moça: cabelo comprido, bem preto, e olhos claros que puxei de um avô, que dizem era alemão e tinha olhos azuis. Sou meio alta, tenho um metro e sessenta, faz tempo que eu medir na escola. Sabe, meu diário, eu pensava que sabia das coisas e, depois, descobri que não sabia nem a metade.
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O portão do paraíso- Giselda Laporta
RomanceTaís uma garota de doze anos inocente e encantadora, sua vida começa a mudar quando seu primo Gelcimar vem morar na sua casa onde sua vida muda completamente de criança para adulta com grandes responsabilidades.