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- Tem certeza de que está bem? - insistia a dona Márcia.

- Estou achando você meio diferente. Os professores me disseram que você nem presta mais atenção às aulas…

            Coitada da dona Márcia, tão prestativa. Mas como é que eu podia dizer pra ela que o meu problema era o Gelcimar, o abraço e o beijo que ele tinha me dado lá na cozinha de casa? E o que ele tinha dito?
            Hoje, pensando bem, acho que podia ter falado com ela, sim. Se a mãe não falava comigo, só restava a professora, não é? Ela até comentou comigo, muito depois:

- Por que não se abriu comigo, Taís? Por que não confiou em mim?

            Confiar… Puxa, seria tão bom se pudesse confiar em alguém! O meu sossego acabou desde aquele beijo. Quando eu pensava no Gelcimar, ficava vermelha, me subia um calor! Tinha vontade de fugir dele, mas ao mesmo tempo uma vontade louca de ficar perto. Passei a viver só pra ver o Gelcimar…
            Acho que ele percebia e me olhava todo sorridente, os olhos azuis brilhando. Só perceber que a gente tava sozinho, ele vinha me abraçava e beijava. Abraço cada vez mais apertado, beijo cada vez mais demorado. Eu pedia:

- Para Gelcimar, o pai pode chegar…

-  Ih,ele tá longe, no serviço.

- Então a mãe…

- Pior ainda, ela só chega de noite.

- Os meus irmãos…- eu suplicava.

- Eles só vêm pra dormir, fica sossegada, Taís. Vem sentar aqui no sofá, vem…
   
            Eu ia. E então ele me abraçava e beijava mais. Vou ser sincera, eu gostava. Mas gostava de um jeito meio sem jeito, com medo, mas com muito medo mesmo que a mãe ou pai chegassem e me vissem beijando o Gelcimar. Acho que eu caía Morrinhos no chão.
            De noite eu dormia mal, me sentia assim esquisita porque nunca tinha feito nada escondido do pai e da mãe. Mas era tão bom!  Uma coisa tão boa não podia ser ruim, podia?
            Um dia, de tão aflita, até tentei conversar de novo com a mãe. Ela tava passando roupa:

- Dá pra gente conversar, mae? Só um pouco?

- Fala rápido que eu tenho muita coisa pra fazer, Taís.

            Tinha de ser uma conversa meio comprida. Rapido não dava.

- Só um pouco, mae, vai?

- Que foi tá precisando de alguma coisa? Mais material escolar? Essa escola pensa que somos ricos?

- Não é material escolar não, mãe, é outra coisa…

- Que coisa? - a mãe empilhava a roupa passada sem paciência. - Você ta doente?

- Doente? Não, não tô não.

- Dor de dente?

- Também não.

- Algum problema lá na escola? Não me diga que por causa daquelas suas coleguinhas que só falam em artista de novela você não vai passar de ano…

- Não é isso não, mãe, é outra coisa…

- Me deixe trabalhar, menina. Vá cuidar da sua obrigação. Ponha o feijão de molho pra mim.

            Nunca dava pra conversar com a mãe, nunca mesmo. E com a dona Márcia eu tinha vergonha. O que eu ia dizer pra ela? "Olha, dona Márcia, eu tô gostando do meu primo, aquele que mora lá em casa, o Gelcimar. Ele tem vinte anos, é muito bonito e vive me abraçando e beijando. Isso tá errado? "

O portão do paraíso- Giselda LaportaOnde histórias criam vida. Descubra agora