* * *Era difícil andar com aquela barrigona, tomar banho, cortar a unha do pé. E o pai parece que não tinha conseguido ordem nenhuma, a mãe é que tinha razão, eu era muito nova. Gozado, podia ter filho e não podia casar.
O Gelcimar só andava calado pelos cantos... Um medão do pai. Tava pior que coelho na toca. Mal falava comigo e com os outros. Chegava do trabalho, almoçava e saía, quase nem parava mais em casa. O pai já é perguntando:
- Cadê aquele cafajeste, ele que não me saia dos eixos, que vai ver uma coisa!...- Deixe de beber, homem! - pedia a mãe. - Isso não resolve nada. O que não tem remédio, remediado está.
- E onde eu ponho a minha vergonha, hein, mulher? O desgosto? Nossa única filha...
Já estava cheia daquela história, tudo agora era culpa minha, meu diário. Contava os dias pro bebê nascer e me livrar daquela barriga. De poder andar com minhas roupas tão bonitinhas, meus jeans, minhas minissaias. Tinha ódio daquelas blusas largas, daquela calça horrível que ia aumentando, aumentando, como se eu fosse um balão pronto pra explodir...
E o tempo nada de passar... Não saía de casa, não ia pra escola, só ficava ajudando a mãe a fazer comida, lavar roupa... Era isso que me esperava se casasse com o Gelcimar? Essa droga de vida? Às vezes até pensava em fugir... Mas pra onde?
A minha vó morava no interior, eu podia ir morar com ela. Podia? O que ela diria quando visse o barrigão? Acho que ia cair durinha no chão. E ainda iam pôr a culpa em mim, como sempre!
O jeito era esperar... E eu não sabia direito quanto...
Ficava na janela, horas e horas, às vezes até esquecia a comida no fogão e ela queimava. Ficava olhando as pessoas na rua, a garotada brincando na calçada, andando de bicicleta. Tão felizes! E eu ali, como se estivesse presa..
Nem namorar o Gelcimar tinha mais graça. Ele mal falava comigo. Eu me lembrava daquele tempo tão gostoso em que ele me levava no parque de diversões, comprava pipoca e algodão-doce. O ursinho, coitado, estava jogado lá no quarto, todo sujo. Lavei ele no tanque e pendurei no varal... Ficou todo arrepiado, feio pra burro, então me deu raiva e joguei no lixo.
De bruço, na janela, eu pensava muito. Não tinha mais nada a fazer na vida, só pensar: "Por onde é que ia nascer aquele bebê, meu Deus?" A mãe Será que abria uma portinha na barriga? Mas isso devia doer pra burro! Será que era o médico
que abria a portinha pro nenê, ou o nenê abria sozinho? E será que ele achava a tal portinha, mesmo sendo só um nenê, porque já havia entrado por ela?
Tanta gente já tinha nascido no mundo inteiro que não devia ser tão difícil, né? Eu lembrava daqueles filmes. Quando um nenê tava pra nascer, começava a correria: ferviam água, pegavam toalhas, tesoura... Pra que tudo isso? Toalha e água tudo bem, mas... Tesoura? Pra cortar o quê?
Por onde é que ia sair o bebê? Ele entrou por algum lugar, não entrou? Então vai ver ele ia sair pelo mesmo lugar onde tinha entrado... Mas ele não entrou grande, claro que não. Tinha de entrar bem pequeno, porque eu nem tinha reparado.
Foi depois daquele dia que aconteceu a "coisa diferente" entre mim e o Gelcimar... Tinha certeza que foi. Então eu não podia ter feito o bebê sozinha... Tinha de ser com o Gelcimar… Então foi ele que botou o bebê dentro de mim... Só podia ser isso! E como ele tinha feito? Ora, devia ter sido do jeito que todo mundo faz!
A mãe tinha conversado comigo, mas tinha falado muito por cima, não explicou o que eu queria saber. Ela parecia tão envergonhada, como se estivesse falando de uma coisa feia e suja. Como podia ser assim se todo mundo fazia festa quando nascia bebê? E se as pessoas faziam bebê porque se gostavam... Senão eles nem casavam, né?
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O portão do paraíso- Giselda Laporta
RomanceTaís uma garota de doze anos inocente e encantadora, sua vida começa a mudar quando seu primo Gelcimar vem morar na sua casa onde sua vida muda completamente de criança para adulta com grandes responsabilidades.