Nossa Melhor Vista

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Da única vez que eu visitei o caribe, e as parcelas não estão pagas até hoje, o hotel tinha nos dado o quarto com a pior vista possível. A janela não dava pra uma paisagem tosca, nem pra uma parede de um prédio, como conceito de "pior vista possível" pode pressupor, mas para a parte de dentro do centro de convenções do próprio hotel. Não se via o dia, nem o sol, apenas as luzes frias e a decoração mais fria ainda. Os dias eram ótimos nas praias, mas voltar praquele quarto com vista pra dentro do próprio hotel, era triste.

Da nossa janela só podíamos ver outras janelas, todas viradas para o centro de convenções, e no centro de convenções rolavam aquelas festas deprimentes - festas de quinze anos das meninas maquiadas demais e confraternização de empresas onde todo mundo usa ternos dois números acima do tamanho certo, esse tipo de coisa. Nas janelas viradas para o centro de convenção, apenas outros casais, de olhar vidrado e melancólico. O mesmo olhar que tínhamos, eu, minha mulher e nossas filhas.

Faltando dois dias para irmos embora resolvi abrir mão de meia dúzia de lambaris verdes e mudar de quarto. Não aguentávamos mais dormir ao som de lambada e acordar sem saber se fazia sol ou chuva. Queríamos o melhor quarto agora, com a melhor vista, pelas próximas duas noites. Queríamos dormir com o barulho das ondas, acordar com os pássaros caribenhos cantando em papiamento. "Então vamos colocar vocês no 809, senhor. É a nossa melhor vista," disse a atendente. Passado o cartão de crédito ( o sistema de pontos sempre me consola nessa hora, apesar de eu até hoje não ter pontos nem pra comprar uma batedeira), fomos arrumar as malas pra mudança de quarto.

Calções de banho e maiôs em sacos plásticos, a última coisa que precisava fazer antes de sair daquele quarto deprimente era trocar a fralda da Aurora (minha filha mais nova). Deite-a na cama, tirei a fralda com xixi deixando a menina pelada em cima dos lençóis brancos. Olhei o lenço umedecido em cima do balcão e, nos dois segundos que me estiquei pra pegá-lo, minha filha fez o maior cocô que eu já havia presenciado. Era meio verde, e meio preto, e tinha uma consistência pastosa, que não só manchava os lençóis e impregnava o quarto com um cheiro insuportável, como também ameaçava escorregar da cama em direção ao carpete do quarto.

Olhei para aquele estrago e por alguns segundos me desesperei. A gente não tinha como limpa aquilo, seria um serviço para a mais brava das camareiras. Olhei pela maldita janela com a pior vista do mundo. Vi o maldito centro de convenções. Vi também um outro hóspede, que de outra melancólica janela via a minha complicada situação. Ele mexeu os lábios e pude ler o que ele dizia. "Deixa assim". Ele tinha um sorriso de vingança na boca. "Deixa assim", ele falava sorrindo.

Peguei a criança e partir rumo ao 809.

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