Capítulo 5

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Ele seguiu pela Quinta rua até uma padaria e comprou dois sonhos e um café expresso, depois caminhou mais quatro quarteirões até chegar à praça Coronel Luiz de Assunção, que levava o nome de um dos bons prefeitos que a cidade teve, no auge do comercio mascate.

A praça tinha uma zona rebaixada onde havia mesas com tabuleiros de xadrez, alguns quiosques, um barzinho e um pequeno palco onde por vezes bandas locais faziam pequenos shows ou grupos itinerantes apresentavam peças teatrais, um desses grupos ofereciam a um punhado de pessoas seus versos declamados de forma dramática.

Havia uma zona intermediaria, mais elevada onde havia alguns bancos, a vista dali, voltada para o oeste, proporcionava um belo entardecer, além de uma boa visão das pessoas abaixo.

Mais acima era a área dos namorados, mais escura, com poucos postes espaçados e uma vista apaixonante de um dos horizontes mais bonitos que alguém poderia ver na vida.

Ele se sentou na zona intermediaria e ficou observando calmamente, as pessoas iam e vinham, se juntavam para ver o pequeno sarau que após meia hora já possuía uma boa quantidade de espectadores e alguns esperando, nervosos, para declamarem suas linhas de pensamentos.

Foi em meio a esses ansiosos e deslumbrados que ele a avistou, não esperava por isso, não naquele dia, não fazia parte do plano vê-la tão cedo. Mas lá estava ela, olhos vidrados na moça que recitava veementemente nos últimos cinco minutos.

A pela dela continuava tão branca, seus cabelos loiros ainda mais radiantes, seu corpo delineado por aquele corpete e saia ambos pretos, ele não podia ver dali, mas sabia que seus olhos castanhos brilhavam a cada palavra escutada.

Embora ele tivesse deixado o sentimento para trás há muito tempo, era impossível não recordar de seus momentos, seus sorrisos, as canções que ela tocava para ele, tentando mostrar sua evolução com o violão.

Então tirou seu caderninho do bolso e escreveu em letras maiores que o normal "ESSA NÃO É UMA HISTORIA DE AMOR".

De fato não era, não podia ser depois de tudo que acontecera. Ao fechar os olhos por um instante, menos de um segundo, tão rápido que foi imperceptível até mesmo para os deuses, ele viu uma parede vindo em sua direção e um grito agudo.

Seu pesadelo de milésimos de segundos foi interrompido por uma mão em seu ombro, ao olha a pessoa de pé ao seu lado ele teve certeza que foi uma péssima ideia sair aquela noite, já comera os dois sonhos e o que sobrou do café estava frio.

- quem diria, *** por aqui.

- Mar... Marcus... você...

- posso sentar?

- ah, claro, sente-se.

Eles ficaram em silencio por algum tempo, havia certa tensão entre eles, mas não era um sentimento ruim, estava mais para uma amizade interrompida há muito tempo, interrompida por algo brutal.

- quando você saiu?

- hoje.

- bom. Você recebeu as cartas?

- não.

- imaginei.

- mandava queimar todas.

- imaginei. Afinal não respondeu nem quando lhe contei sobre a morte do Lucian.

- eu soube.

- cara, ele não...

- eu sei.

- já faz três anos.

Ele não queria ter aquela conversa tão cedo, era culpa dele, ele sabia e todos sabiam, mas não diriam, pelo menos a maioria das pessoas, havia sempre aqueles que iriam usar cada segundo, cada acontecimento daquele dia na cara dele e no fundo ele sabia, estavam certos.

- cara – Marcus de repente parecia feliz – eu tive um filho.

A notícia o pegou de surpresa.

- uau – foi só o que conseguiu dizer e depois de um pequeno tempo olhando o sorriso do velho amigo, um sorriso de verdade – parabéns, meus parabéns. Qual o nome?

- Vinicius, é um garoto lindo, puxou a mãe, claro.

Ele estava sendo clichê, Marcus era um homem bonito, ninguém podia negar isso. Os olhos verdes e os cabelos brilhantes por natureza sempre foram motivo de suspiros no colegial.

- parabéns, de verdade.

Eles ficaram em silencio por um tempo, havia um gigantesco elefante branco que nenhum dos dois pretendi mencionar, pelo menos não nesse encontro tão ocasional, Ele foi apenas ficar sentado, Marcus estava passeando com o filho e a esposa. Coincidências.

- sabe – começou Marcus – ela ficaria feliz em lhe ver.

- nós dois sabemos que não é verdade.

- cara, já faz muito tempo, ela entende o que aconteceu, ela lhe perdoou.

- o que aconteceu... o que eu fiz... não merece ser perdoado.

- todos nós lhe perdoamos.

- diga isso ao Lucian ou ao Ricardo.

Não houve resposta.

- uma condição neurológica não é desculpa.

- todo esse tempo no hospital não serviu de nada não é?

- claro qu...

- não, você continua a mesma coisa, se culpando, como se toda a desgraça desse mundo fosse culpa sua. Advinha, não é. Todos temos nossa parcela de culpa, e aceitamos isso, menos você. Então o que acontece? Você se tranca dentro desse seu casulo e não deixa seus amigos ajudarem, solidão não é um presente, é um castigo.

Marcus não esperou resposta, levantou-se e foi embora, caminhou firme até o palco lá embaixo e cochichou no ouvido da moça de cabelos dourados, fazendo ela se virar rapidamente para onde ele estava, mas era tarde demais, não era hora nem lugar, Ele já tinha partido.

Os Contos de São Miguel - volume 1 KarmaOnde histórias criam vida. Descubra agora