Verão '17

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Este foi o pior dos Verões que tive em todas as 16 primaveras em que cá estou.

Hoje faz um mês desde que perdi uma pessoa muito querida da minha família, a minha madrinha/tia, ela tinha um cancro no pulmões, descoberto um mês e meio antes de ela partir, toda a gente pensou que o cancro não a iria matar mas quando o médico disse que ela poderia vir da Bélgica para Portugal de avião, muita gente pensou o pior. Qual é o Médico que vai deixar um pessoa com cancro no pulmões, viajar? Só se fosse para ela vir morrer junto da família, que foi o que aconteceu.

Lembro-me do último dia que a vi, do último dia de vida dela. Levei-lhe um batido com duas fatias de melão, duas fatias de melancia (da horta do monte) e meio pêssego, e lá fui eu com a minha mãe e o meu irmão na nossa Fiat Marea, quem ia a conduzir era o meu irmão, na velocidade 120Km/h, estávamos atrasados. Passado uma hora naquela carrinha chegámos ao Hospital de Évora. À porta estava o meu tio Rui e o meu primo Daniel, que disseram para nós subirmos, o quarto era a letra H no piso 1, se não me engano. Lá estava a minha madrinha Emília e a minha Prima Vanessa, e é claro que quando lá chegámos vimos a minha madrinha num estado debilitado, sem forças. Sorri para ela e ela disse que não precisávamos de ter vindo, ela poderia respirar apenas 20% de um pulmão e o outro estar a 0 mas iria sempre continuar com o "não precisavam de ter vindo", quase que a ignorei e disse-lhe que lhe tinha trazido um batido de frutas que era bom para ela beber, ela sorrio e a Vanessa mostrou-lhe o batido, mas primeiro tinha de comer a sopa, tentativa falhada, estava quente e ela não quis nem por nada, então, passou para o batido, que antes de beber disse que cheirava muito bem, aí a Vanessa retirou-lhe a máscara de oxigénio que ela tinha e deu-lhe a palhinha para ela beber, foi complicado da minha madrinha beber o batido mas ela estava realmente a gostar dele. No meio da conversa falaram das minhas unhas postiças brancas que tinha ido fazer e também falaram das dela e da combinação que estavam a fazer com as unhas da Vanessa. Passamos lá uma hora e meia, mais ao menos. Sentia-me mal por a ver assim e não puder fazer nada, como é que é possível um cancro fazer aquilo a uma pessoa. 

Depois de vermos a minha madrinha, os meus primos e o meu tio vieram jantar a minha casa e chorámos todos juntos. A vida foi muito injusta com ela, ou Deus, ou até mesmo Jesus, aliás, eu não sei se Deus é assim tão grande, ou se Jesus é a melhor pessoa do mundo que acabou por nos salvar a todos, tenho duvidado de tudo isso.

No dia seguinte acordei com a minha mãe a gritar do andar de baixo "Aí Rui, isso não pode ter acontecido mas já morreu?" ali percebi que a minha madrinha tinha mesmo perdido a vida. Mal sabia eu o que ia passar depois de saber essa notícia, entretanto fui ao monte ver da Vanessa, do meu tio e do Danny, abracei a Vanessa e não chorei, apesar de ela estar a chorar bastante eu não conseguia deitar nem uma lágrima, fui ver o Danny e abracei-o também, nenhum de nós chorou, voltei para a cozinha repleta de memorias da minha madrinha e ouvi alguém bater à porta, o meu tio foi abrir e eu não sabia quem eram as pessoas, mas todas elas me abraçaram e deram-me um voto de forças, pena que aquilo não ajudava em nada, e ali chorei, chorei porque tinha era a primeira vez que tinha perdido uma pessoa e chorei porque essa pessoa era demasiado importante para ser a primeira a partir. Fui ter com o Danny, não consegui estar ali, abrecei-o e chorámos os dois sem ninguém dizer uma palavra. No fim disto fomos para minha casa, almoçámos os seis ( Eu, a minha mãe, o meu irmão, a Vanessa, o Danny e o meu tio ) uma sopa e fomos a Montemor acompanhar o corpo da minha madrinha, no caminho a Beatriz ( a minha melhor amiga) ligou-me e ao ouvir a voz dela só me apeteceu chorar, como era mau o que eu estava a passar, disse lhe que não podia falar mas que estava tudo dentro dos possíveis e desliguei. Entretanto chegámos à igreja e a urna, onde a minha madrinha se encontrava, foi tirada do carro funerário e colocada dentro da igreja, destaparam-na e voltaram a tapar. Não consegui ver bem, então fui para junto dela, tirei o lenço de pano que estava por cima da sua cara e vi-a, ela estava pouco mais amarela do que estava no dia anterior, quando a vi. Esse dia foi muito mau, chorei vezes sem conta, mal sabia eu que no dia a seguir iria ser bem pior. Nessa noite fiquei na casa da Mónica ( minha prima ) porque eu tinha de me destrair de alguma forma e foi aquela a forma que eu achei mais justa para fazer, fomos deitar-nos por volta da 1 da manhã e no dia a seguir levantámo-nos às 9, eu já não conseguia chorar, nem quando foi a pequena missa, nem no caminho. No caminho até ao cemitério fui de mão dada com a minha tia Corina, eu não conseguia chorar, não sei porquê, até que chegámos ao cemitério, as flores foram tiradas do carro funerário e de seguida veio o caixão onde o corpo da minha madrinha estava, colocaram-no em cima de duas miseras coisas de ferro e abriram o caixão, tiraram o lenço e o lençol branco que lhe tapava o rosto e as pessoas foram-se aproximando para a beijarem uma última vez, naquele momento eu ouvia o meu pai a chorar ao meu lado e aí as lágrimas foram caindo, eu só pensava no momento em que ela se iria levantar dali, mas infelizmente isso não aconteceu, a urna foi fechada e levada para o buraco e eu fiquei ali, a olhar para aquilo, e aí deparei-me que estava a soluçar de tanto chorar, como é que é possível o cancro matar uma pessoa num mês e meio!? No meio dos meus pensamentos senti um abraço forte do Alexandre, e a voz dele a dizer que tudo iria correr bem, mas eu sei que não, foi me deixado um vazio no meu coração naquele momento, entretanto senti o meu irmão a abraçar-me também e a chorar tanto como eu, passado uns cinco minutos saí dali, lembrei-me que tinha de ver a terra a ser despejada para o cima do caixão mas não me deixaram ver, e minha tia Corina abraçou-me e eu abracei o meu tio Luís, passado outros cinco minutos o Alexandre abraçava-me de novo e nesse momento eu não queria saber de ninguém à minha volta, as lembranças que tinha da minha madrinha eram suficientes para eu querer ignorar toda a gente à minha volta. Decidi que tinha de ir ter com o meu pai e com a minha mãe, procurei-os e encontrei o meu pai, abracei-o e chorámos os dois, depois aconteceu o mesmo com a minha mãe. 

E os dias vão passando, um de cada vez, um mais bem passado, outro mais doloroso, a vida continua, com a dor, mas tem de continuar.

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Feito a 11/09/2017 

Terminado a 12/09/2017 

Catarina Constantino 

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