Capítulo V

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Eu dormi de cansado, com o vazio na cabeça, perguntando a mim mesmo o que havia acontecido, sem encontrar uma resposta.

O celular despertou com o barulho de sempre, mas eu já estava acordado, apenas abri os olhos e segui a minha rotina matinal, tomar banho, escovar os dentes, dar bom dia ao meu pai e sair porta afora... e dar de cara com Isabella sorrindo pra mim, sorrindo como se aquela fosse a melhor coisa que ela visse em semanas, como alguém podia ser feliz àquela hora da manhã? Acho que eu precisava me acostumar com aquele tipo de alegria matinal. Lhe dei um sorriso por educação e estendi a jaqueta, ela vestiu sem reclamar, subiu na moto e passou os braços ao meu redor, como sempre.

Eu já devia ter me acostumado com a sensação, mas sempre parecia novidade e então, por um brevíssimo momento, eu me esqueci do vazio que me ocupava desde a noite passada, apenas sentia as mãos dela no meu corpo e tentava focar no caminho que se estendia à minha frente.

Ao chegar a biblioteca não foi preciso dizer a Isabella o que ela precisava fazer, a garota já tinha pego o jeito do trabalho e isso me fez sorrir, eu também segui com as minhas tarefas e assim o dia passou rápido, mas foi só quando ela passou os braços ao meu redor na hora de ir embora que eu me lembrei do vazio, mas só me lembrei porque quando ela me tocava eu sentia ele sendo preenchido por algo que eu ainda não sabia identificar.

Ao chegar em casa Isabella me estendeu a jaqueta e seguiu para casa, eu a observei caminhar, ela era leve, seus cabelos voavam ao vento a cada passo que ela dava e seu corpo balançava de forma sutil cada vez que seus pés tocavam o chão, quando ela chegou na soleira da porta seu rosto virou e ela sorriu e me deixou sem graça, percebi que parecia um louco a encarando, baixei a cabeça rapidamente e segui em direção à minha porta, mas não sem antes notar que ela gargalhava baixinho.

Aquela garota se divertia as minhas custas, percebi.

Encontrei meu pai na cozinha, o cheiro que saía das panelas estava sensacional e meu pai parecia mais ocupado com a janta do que o normal, ele ia pra lá e pra cá na cozinha, mexendo nas panelas, picando legumes e olhando no forno de vez em quando.

- O senhor vai dar uma festa? É aniversário de alguém?- perguntei, confuso.

- Ah que bom que você chegou Felipe, fica de olho no forno pra mi enquanto eu tomo um banho rapidinho.

- Beleza, mas o senhor não respondeu a minha pergunta- indaguei.

- A Dona Mariana e a Isa vem jantar em casa- respondeu ele tirando o avental e seguindo pro banheiro. "Isa", percebi, ela já tinha até apelido.

- E ninguém pensou em me avisar- somente as panelas me ouviram. Sentei na bancada e fiquei observando o forno, o vapor saindo das panelas e o zumbido que a geladeira fazia de vez em quando.

Escutei o chuveiro sendo ligado e a voz abafada do meu pai cantando Queens através do box fechado, ele adorava aquela música...

"Ooh, each morning I get up I die a little
Can barely stand on my feet
Take a look in the mirror and cry..."

Corri no meu quarto, joguei a jaqueta sobre a cama e voltei para a cozinha, abri uma das panelas e vi que o arroz estava pronto, desliguei o fogo e abri outra panela...

"Lord what you're doing to me
I have spent all my years in believing you
But I just can't get no relief, Lord!..."

SobreviventeOnde histórias criam vida. Descubra agora