Capítulo I

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O dia estava lindo, mas eu era incapaz de ver a beleza do céu, ou sentir o vento fresco que batia no meu rosto quando saí de casa e fui em direção à minha moto. A sra. Mariana me deu bom dia e eu apenas acenei em resposta, era assim todos os dias, pelo menos desde aquele dia.

Há seis meses atrás eu era outra pessoa, o antigo Felipe teria ido até a varanda da Sra. Mariana e dado um beijo estralado em sua bochecha, depois perguntaria se ela dormiu bem e se as dores tinham passado, aí sim me despediria, subia na minha moto e iria para a biblioteca. Mas isso era passado, aquele eu não existia mais, não que eu não me preocupa-se com a Sra. Mariana, porque eu me preocupava, antes de sair eu perguntava para o meu pai como ela estava, eu só não conseguia sair do meu estado letárgico e ir até ela e fazer o que eu costumava fazer.

Então apenas subi na moto, pus o capacete e segui meu caminho até a biblioteca, o mesmo caminho de sempre, as mesmas pessoas, a mesma paisagem, só que era tudo cinza, neutro, eu havia perdido a capacidade de ver em cores, as coisas haviam perdido a beleza. Não que eu me importasse, sem ela eu não me importava com nada, apenas seguia a minha rotina de trabalho para casa, de casa para o trabalho.

Estacionei a minha moto no mesmo momento que uma moça lutava contra o cadeado da sua bicicleta, resolvi ignorar e subir as escadas do imponente prédio que era a Biblioteca Municipal e fui direto para o meu posto atrás do balcão, eu era ajudante de bibliotecário, o que significa que eu tinha que ajudar as pessoas a encontrar o livro que elas queriam e arrumar a bagunça que elas deixavam quando iam embora, mas eu não estou reclamando, eu amo meu trabalho, amo ficar no meio dos livros e amo mais ainda ter o poder de influenciar uma pessoa a ler um livro que eu amei. Meu trabalho era a única parte do meu dia que eu conseguia esquecê-la por completo, talvez porque ela nunca tivesse posto os pés ali dentro assim eu não tinha nenhuma lembrança dela parada em algum lugar e tudo ao seu redor ficando nublado...

- Hei, você, valeu pela ajuda lá fora! Grande cavalheiro você é, mas deixa pra lá, tenho coisa mais importante pra fazer do que ficar educando gente bem crescidinha. Você sabe me dizer onde eu posso encontrar o Sr. Antonio?

Olhei atônito para aquela mulher atrevida e desbocada, que se atreveu a me tirar dos meus devaneios, e ainda assustado apontei a pequena porta após o balcão que dava no escritório do Sr. Antonio, o bibliotecário. Quando ela bateu na porta e entrou que eu me dei conta o quão colorida ela era,os cabelos eram pretos, os lábios vermelhos e o olhos negros, eu ainda estava na minha análise quando a porta se abriu e de lá saíram os dois:

- Felipe, essa é a Isabella, ela começa a trabalhar aqui hoje, como sua ajudante, ensine tudo que ela precisa saber sobre a biblioteca, desde os cuidados com os livros até o atendimento das pessoas- disse o Sr. Antonio.

-Mas eu não preciso de ajudante Sr. Antonio, eu dou conta de tudo, eu sempre dei. - respondi de imediato, eu não precisava de mais ninguém, adorava trabalhar sozinho.

-Precisa sim, eu vejo você se dividindo em três pra dar conta de todo o serviço, além disso, semana que vem vai chegar um carregamento de livros novos e eu tenho certeza que você não vai dar conta disso sozinho, eu tenho certeza- completou ele quando abri a boca para responder. Então apenas assenti com a cabeça, a toa, porque ele já tinha me dado as costas e ia em direção a sua sala. Me virei pra dar de cara com uma Isabella sorridente com uma mão estendida:

- Oi, eu sou a Isabella, mas isso você já sabe né. Então, por onde eu começo? Nossa, essa biblioteca é linda, nunca tinha visto tanto livro junto em um lugar só, eu amo livro sabe, adoro ler, tenho alguns em casa, quer dizer, tinha. E você podia ter me ajudado lá fora né, não ia levar nem dois minutos, tive que deixar a bicicleta sem cadeado porque não tive força pra abrir, só acho que não custava nada você me dar uma mãozinha, já pensou se roubam minha bicicleta? Como eu vou vir trabalhar? Mas enfim, não sou eu que vou te ensinar a ter modos não é mesmo?Então, que eu devo fazer?

- Hã...primeiro recolha todos os livros que estão sobre as mesas e põe no carrinho, temos que colocar de volta nas prateleiras antes que a biblioteca abra- respondi .

Fiquei observando ela ir em direção ao carrinho e começar a apanhar os livros da mesa. Resolvi então voltar ao meu trabalho, mas foi um pouco difícil pois a cada quinze minutos ela vinha me cutucar e perguntar o que deveria fazer em seguida o que me deixava extremamente irritado. Eu não sou uma pessoa ruim, muito menos mal educado, mas é que aquela garota conseguia me dar nos nervos, tinha a capacidade de me irritar apenas com a quele sorriso confiante que ela me dava cada vez que eu olhava pra ela. Então resolvi parar de olhar, apenas passava as tarefas pra ela antes mesmo que ela conseguisse terminar a anterior, mantive ela ocupada o dia todo, dessa forma ela não tinha tempo de ficar me fazendo perguntas e nem podia me irritar com aquele sorriso.

Foi dessa forma que eu passei o dia, evitando-a a todo custo, mas pelo menos o expediente passou rápido e eu agradeci quando o relógio deu cinco horas e eu finalmente pude fechar tudo e ir embora, desci a escadaria com ela atrás de mim, segui para a minha moto e coloquei o capacete quando alguém me dá um soco no ombro.

- Eu disse que iam roubar a minha bicicleta, e a culpa foi sua! Como você acha que eu vou ir pra casa agora? Por causa da sua incapacidade de ajudar eu me ferrei, logo agora que eu arrumei um emprego e preciso da minha bike! Fora que a minha avó vai me matar quando eu chegar em casa tarde!- berrou ela no meu ouvido e saiu batendo os pés feito uma criança contrariada.

Mas na minha cabeça só haviam dua perguntas: Como uma pessoa podia ser tão irritante e cheia de si? E a pergunta que não queria calar dentro de mim, como ela podia ser tão colorida se tudo que eu via há seis meses era cinza?

O fato é que talvez uma parcela da culpa da bike roubada era minha, mas só uma pequena parcela. Então resolvi que não custaria nada oferecer a ela uma carona pra casa. Alcancei ela e ofereci um capacete extra que tinha sempre comigo:

- Vem, eu te levo pra casa- disse um tanto descontente. Ela sorriu, colocou o capacete e pulou na garupa sem ao menos pensar, e para minha surpresa ela colocou os braços ao redor de mim e encostou a cabeça nas minhas costas.

- Já pode ir, eu te explico o caminho- respondeu, e eu só consegui sentir o calor da sua respiração perto do meu ouvido.






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