|04| imperfect

89 13 33
                                    


Mais um dia monótono, com as mesmas pessoas monótonas e as mesmas atividades igualmente monótonas. Sentei-me numa das mesas da biblioteca, onde havia mais pó que propriamente adolescentes. Reli as páginas de Os Imperfeitos mais do que cinco vezes. Era o meu livro predileto, o que fazia mais sentido para me descrever neste preciso momento. Eu e a Celestine éramos parecidas em várias coisas, visto que éramos as duas acusadas de imperfeição por mentes retrógadas. Ela apenas tinha cometido um ato de bondade, e por incrível que pareça, eu também. Gostava de por vezes, ser tão corajosa como ela. Era isso que nos diferenciava. Examinei todas as páginas, tudo o que me falhou nas primeiras leituras e finalmente fechei o livro de uma maneira consideravelmente bruta.

- Não faças isso. És louco? - Ouvi uma voz bastante perto de mim.

Olhei para a estante situada à minha frente e revirei os olhos, ao ver um rapaz a filmar-me como se eu fosse um leão num jardim zoológico. Sinceramente, nunca o tinha visto pela escola. Os seus olhos eram totalmente pretos, parecia não haver um pouco de brilho neles. O seu cabelo era loiro e selvagem, preenchido por caracóis grossos e fortes, e sinceramente acho que os óculos no seu rosto - dos quais uma lente estava rachada - estragaram-lhe a anatomia por completo. No fim de o examinar, apanhei-o a fazer o mesmo comigo. Parecia não ter receio de o fazer.

- Qual é o mal? Quero só mais informações para o meu jornal. - Ouviu-o a sussurrar.

Foi o momento mais adequado para me levantar e passar por ele e pela rapariga ao seu lado. Ambos afastaram-se para me darem passagem e eu parei entre eles, observando os olhos pretos do rapaz.

- Jornal? - Ri-me. - Intrigante.

Continuei a andar, mas a sua voz - deveras - histérica, parou-me.

- Como é que me conseguiste ouvir? Isso não foi normal. - Disse-me, e eu virei-me para o observar.

- E tu queres explicar o conceito de normalidade a uma pessoa que não é normal? - Retorqui sarcasticamente.

- Caleb, chega! - Disse a rapariga ao seu lado. - Deixa-a estar, ela é perigosa.

Foi a última vez que ele me olhou, antes de começar a andar para o lado oposto ao meu. Fiz o mesmo. Sai da biblioteca abraçada ao livro e ri-me totalmente de mim mesma. Tudo em mim parecia estar a aumentar, como se eu acabasse de duplicar ou triplicar o meu próprio poder. Desci as escadas que davam ao corredor principal e vi no grande relógio na parede em cima de mim que faltavam ainda vinte e cinco minutos para a aula da tarde. Vi um dos bancos lá fora livres e sentei-me lá, a olhar para o nada mas a pensar em tudo.

Sentia-me a tremer inevitavelmente. O meu corpo parecia ter ganho um fogo que era incapaz de ser cessado. Tentei controlar o que estava a acontecer, que parecia ser uma mudança repentina do meu corpo e totalmente imparável. Normalmente, saberia o que fazer. Sei sempre. Mas neste instante, a única coisa que fiz foi apertar o banco com as minhas mãos e parti-lo em segundos. Abri bastante os olhos para o que estava a acontecer. Sempre tive cuidado para não utilizar o meu dom - a minha única imperfeição - em público. Mas havia algo que parecia estar a comandar o meu corpo, possuindo-o por inteiro. Engoli em seco.

- Grande espetáculo que deste na biblioteca. - Ouvi a voz do Harry e olhei para cima, vendo-o a sentar-se ao meu lado.

- Estavas lá? - A minha voz soou vulnerável. Suspirei fundo.

- Estou em todos os lugares.- Pronunciou, encolhendo os ombros.

- Que bom para ti - Disse ironicamente. - Já que podes estar em tantos lugares, porque não vais agora para outro e deixas de me atormentar?

- A tua cara de '' Preciso de ajuda, estou quase a morrer '' acho que denunciou que não vais ficar bem sozinha. - Disse-me, observando o meu semblante e o aperto das minhas mãos no banco já partido.

Afraid of you | H.S|Onde histórias criam vida. Descubra agora