|06| manipulation

79 7 18
                                    


Acordei com um trovão a ressoar pela casa. Tentei levantar-me no meio da tempestade a acabei por acender a luz. Esfreguei os olhos com as minhas mãos para me habituar à claridade repentina e franzi o cenho. Era a minha cama, a minha casa e não a de outra pessoa. Vi que a janela estava aberta - quando não me lembro sequer de ter estado aqui e de ter mexido nela - e acabei por fechá-la.

Lembro-me dos acontecimentos anteriores. Estava no beco perto da minha casa e sei que assustei três homens que tinham segundas intenções comigo. Chamei o Seon e a partir desse momento, não me lembro de mais nada. Só sei que estou na minha casa, sem sangue a sair-me da boca e sem dores no corpo, como se alguém me tivesse curado. Franzi o cenho novamente e alcancei o telemóvel para telefonar ao Seon. Eram oito da manhã. O telémovel tocou e tocou. Quando estava sem esperanças, ele atendeu.

- Blanca? - Disse, com a voz ensonada. - Alguma urgência?

- Preciso de falar contigo. Podemos encontrar-nos no parque? - Perguntei-lhe.

- Não vai dar. - Disse-me seriamente. Estranhei. - Tenho assuntos para tratar.

Desligou-me. Isso só comprovou o quanto ele me quer evitar. Havia algo na história que não se equilibrava certamente na minha mente. Um bloqueio espalhava-se por ela, criando uma divisória entre o que me permitiam ter acesso e ao que eu realmente deveria ver. Joguei o telemóvel para o chão, irritadiça. A manhã de sábado não tinha começado da melhor forma. Sentia-me traída, como se estivessem a esconder uma verdade tentadora de mim. Estava a tentar voltar a dormir quando um ruído estridente despertou-me por completo.

Os adolescentes normais costumam acordar de uma forma normal. Despertam-se, dão um grande bom dia aos pais - ou não - visto que podem acordar de mau humor. Mentalizam-se que podem ter um dia bom ou não - depende das cirscunstâncias - e saem de casa animados para um novo dia, para aprenderem novas palavras e construir novas frases - ou - até mesmo - e em alguns casos - ficam tremendamente felizes porque sabem que a pessoa pela qual sentem um amor platónico, está lá fora, em qualquer sítio à espera deles.

A minha vida não é assim. Acordo e sei quando o meu dia vai ser bom ou mau. Consigo ver tudo o que está à minha frente, mentalizar-me que o futuro corre ao meu lado e tudo depende de mim para escrevê-lo da maneira que eu quiser. Normalmente, não acordo com bom dias nem os dou. Acordo com sons estridentes, de garrafas a partirem-se ou com gritos histéricos do meu extravagante pai. Não fico feliz ao ir para a escola nem ao construir frases, porque sei que isso vai acontecer. Não é normal ficar-se feliz ao saber o que se vai suceder a seguir. O imprevisto é tentador. O previsto, aborrecido. Também não fico feliz ao saber que vou ter o meu querido amor lá fora, porque não tenho nenhum. O amor é uma mentira criada pelo ser humano para se mentalizar que há um sentimento neste mundo distorcido que o pode curar. Mas eles não sabem que o amor também mata. É uma doença incurável.

- Blanca! - O meu pai adentrou pelo meu quarto, assustando-me. Fingi estar a dormir. - Sei que estás acordada.

Era disto que estava a falar. A rapariga anormal a acordar de uma forma anormal.

- Está uma amiga tua aqui para te ver. Posso mandá-la subir? - Disse-mo e eu acabei por me sentar na cama.

- É a Cassie? - Perguntei e ele anuiu com a cabeça. - Então podes.

Saiu do meu quarto como um furacão e eu voltei-me a enrolar nas mantas confortáveis. Olhei através da janela e um relâmpago trespassou pela mesma. O barulho estridente do trovão veio a seguir e fechei os olhos, concentrando-me na tranquilidade que aquela cantoria melódica me dava. Achavam-me peculiar por gostar tanto de coisas aterrorizantes. Não achava que gostar disso fosse estranho. Nunca fui ensinada a gostar do sol e do arco-íris como as outras crianças e sei que - se por acaso - tivessem sido ensinadas a gostar de relâmpagos e coisas desse género, também estranhariam quem não fosse da mesma opinião que elas. Se te ensinarem a gostar de dançar na tempestade, jamais terás conforto na tranquilidade do sol. Mas se te ensinarem a gostar de dançar ao sol, jamais irás compreender a tranquilidade de uma tempestade.

Afraid of you | H.S|Onde histórias criam vida. Descubra agora