Todos nós já especulámos como seria atravessar a Cúpula.
Olhava para os traços pouco percetíveis da Cúpula e imaginava-me a correr até ele e sair daqui. Sonhava com um formigueiro que me iria percorrer, uma descarga de energia revitalizante ou as entranhas a serem revolvidas assim que eu passasse pela parede transparente.
Mas eu sinto... nada. O que é tão estranho para mim. Tudo o que posso ter imaginado não se compara ao grande vazio de desilusão que sinto.
- Isto foi tão emocionante como atravessar uma porta. – Comento olhando em para o panorama à minha frente.
É isto que tenho de explorar.
Olho uma última vez para trás. A Mia oferece-me um último aceno antes de desaparecer na multidão que a engole e se dispersa em direção às portas para o interior do Sector. São todos iguais. O Sector torna-nos todos iguais... e difíceis de distinguir. Consigo ver também a Camilla, que não se mexe, mostrando que não tenciona sair de onde está para voltar aos seus afazeres como se nada tivesse acontecido. Antes de ser empurrada por um dos instrutores, ainda teve tempo de dizer em palavras silenciosas: "cuida dele".
Estendo-lhe o polegar numa tentativa de a sossegar. Pedro nunca se chega a virar para trás, a olhar para quem deixa ficar. Viro costas para o que também eu deixo. Por muito que quisesse, nunca conseguiria mentir e dizer que não me sinto aliviada por sair do Sector... As correntes que sempre sinto a abraçarem-me o corpo estão mais leves agora.
Mas até quando? Acho que só o tempo o dirá mesmo.
Antes de ter tempo de fazer o que quer que fosse, antes de poder assimilar tudo o que tenho à frente, a voz da Chefia penetra-me os ouvidos:
- Estou a contar com vocês. Não me deixem ficar mal.
Olho por cima do ombro quando a vejo afastar-se e a Cúpula a solidificar-se antes de o zumbido surgir.
Contemplo o panorama Pós- Apocalíptico que tenho à frente. Absorvo toda esta paz fria e silenciosa de uma cidade há muito morta. Avanço um passo, e outro. Entro em piloto automático, sempre com os olhos a apanharem cada pormenor. Não preciso de ver para saber que o Pedro está atrás de mim, provavelmente, uns dois passos.
- Vamos avançar o máximo que conseguirmos pelas ruas até perto do anoitecer. – Declara ele para as minhas costas.
- Precisaremos de encontrar abrigo. – Afirmo. – E analisar os progressos e o caminho a seguir a partir de amanhã.
O Pedro, sendo mais alto e tendo, por isso, as pernas mais compridas, alcança-me em dois segundos.
- O que achas que vamos encontrar aqui? – Pergunta-me.- Quer dizer, para além de tudo o que já é esperado nós encontrarmos depois da catástrofe...
- Como cadáveres meio despedaçados e tudo mais?
Pedro assente.
- Sei lá... Nós somos a versão Beta desta exploração, lembraste?
Ele não me responde. É claro que não. Acho que só agora é que ambos ganhamos total consciência daquilo a que nos propuseram a fazer e isso deixa-me irritada. Não que eu não tivesse percebido o que iria fazer ou o que me poderá acontecer, mas uma coisa é pensar, outra é acordar realimente pronta para essa realidade.
Respiro fundo. O cheiro a plantas misturado com pó vem-me ao nariz. Espirro.
- Santinho. – Diz Pedro, inconscientemente. Está a olhar para os prédios cobertos de verde de várias tonalidades e buracos que não deveriam existir em edifícios de qualquer espécie.
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Pangeia
Science FictionPrimeiro, a Grande Devastação aconteceu. Depois, a Terra tremeu. O Mundo que conhecemos acabou... E nunca mais voltará a ser o mesmo. Sicca vive nesse novo Mundo, um lugar desconhecido, mesmo tendo passado 150 anos após o acontecim...