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Atualmente

— Não fique longe dos meus olhos, está bem? Brinque sempre onde eu possa vê-la!

Sofia assentiu as palavras da mãe enquanto Luz terminava de fechar o casaco grande e cor de rosa que envolvia o delicado corpo da garotinha. Era uma belíssima manhã em sua pequena cidade aos arredores de Goiânia e apesar do tempo claro e ensolarado, a sensação térmica era fria devido ao alto inverno.

— Posso brincar no balanço? — Luz ajeitava o gorro rosa sobre os cabelos longos e escuros. Os olhos verdes da menina se mantinham sempre atentos aos movimentos da mãe, que a arrumava com carinho em meio ao parque da cidade.

— Pode... Seja gentil com as outras crianças!

Sofia se afastou correndo entre os demais pequenos que ali brincavam e rapidamente se perdeu entre os anjinhos animados. Luz, por sua vez, apanhou novamente o jornal de anúncio de empregos e passou a folhear novamente as páginas que já conhecia de cor.

Faltavam apenas semanas para a venda do apartamento de Grace ser concretizada e sua decisão tomada. Sabia que ir para São Paulo não era uma opção, por isso precisava urgentemente de uma luz em seu caminho. Era agoniante saber que corria o risco de ficar sem casa junto com Sofia a qualquer minuto, por isso caminhava pelas ruas com a garotinha – que havia acabado de entrar em recesso escolar – buscando empregos em qualquer esquina.

Já havia conseguido alguns bicos em lanchonetes e festas infantis, mas apenas podia se dedicar a eles quando Grace estava em casa à noite e a ajudava com Sofia. A renda de tais trabalhos ia toda para a escola da menina e seus gastos maiores, nem sempre sendo o necessário para suprir todas as suas necessidades.

Fechou o jornal com forças em suas mãos quando leu o anúncio de uma boate em busca de uma garota de programa. Quantas vezes já havia recebido tal convite pelos donos da lanchonete a qual trabalhava? Sempre enfatizavam a sua beleza e lhe ofereciam altos salários em troca de servir de objeto por algumas noites, mas tal feito sempre esteve fora de seus planos! Não era esse o exemplo que queria dar a Sofia e jamais se sujeitaria a algo assim...

Observava a linda menininha se balançando no balanço colorido com as mãozinhas agarradas as alças e os pés voando pela areia enquanto as palavras de Grace ecoavam em sua mente...

"Ela não é qualquer criança, ela é Sofia Solare e deveria ter uma vida de princesa!".

Remou-se por ter gastado todo seu dinheiro no passado, mas no fundo sabia que havia sido por uma boa causa! Sofia nasceu com um pequeno problema no coração e teve de se submeter a uma caríssima cirurgia nos primeiros anos de vida e os remédios usados durante os primeiros três anos eram de valores altos, assim como os especialistas que a acompanharam. Não se arrependia por ter gasto com sua filha, apenas por ter sido tão negligente quanto a seu futuro.

A verdade era apenas uma... Sempre, no fundo de seu coração, existiu o sonho de que acordaria em uma bela manhã com Santiago a sua porta lhe dizendo que tudo havia sido um engano e agora finalmente poderiam ser felizes juntos e com a filha que um dia tiveram... Mas nunca passou de um simples sonhos, nunca de fato aconteceu!

Apenas agora, quase oito anos depois, havia se dado conta de que começou sua história acreditando em milagres, mas que os mesmo talvez nunca houvessem existido...

Ouviu gargalhadas altas e logo percebeu se tratar de Sofia, que brincava com duas belas crianças, um garoto de cabelos ruivos e outro menor de cabelos castanhos. Eram muito parecidos e os três aparentavam nítida amizade. Sem que pudesse prever, um pequeno pedaço de papel voou direto para seu colo, pousando sobre o jornal de empregos como uma borboleta sobre as flores. Apanhou o pequeno papel olhando ao redor e rapidamente viu uma figura feminina ao seu lado sorrindo e acenando. Ficou de pé com o papel em mãos e caminhou até a moça, que parecia grata desde o primeiro instante.

Falsas Intenções (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora