Outono

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Estava sentado em minha única e pequena mesa, segurando uma xícara de chá e minhas mãos. Xícara. Ela tinha um formato irritantemente circular, como um anel. UM ANÉU DE NOIVADO. Então a xícara vai instantaneamente de encontro com a parede se estilhaçando em mil pedaços.

 Encontro-me em uma situação em que tudo me remete aquele maldito objeto circular de ouro. Como pode ter acontecido? Quem? Quando? Estive trabalhando todos esses dias no jardim – até em dias que não eram necessários só para vê-la – e nunca durante esse tempo vi passar ninguém por aquele portão, além de mim e do mordomo. Como poderia passar despercebido – principalmente por mim que sou um observador nato – a entrada de um homem aqui, ainda mais um aparente pretendente. Tenho que tirar isso a limpo imediatamente.

Dirigi-me à casa onde residia minha flor. Chegando lá percebi que em frente a casa havia um veículo estacionado que me parecia muito familiar. Apenas abri o portão – tentando fazer o menor barulho possível – e me dirigi ao jardim. Quando estava prestes a chegar onde Charlotte costumava ficar, eu a vi sentada em sua pequena mesa, como de costume, porém desta vez estava acompanhada de um homem. Ele lhe acompanhava em um chá que era servido pelo mordomo. Eles conversavam, mas devido a distancia não os ouvia. Vez ou outra ele pegava em sua mão e a olhava nos olhos. Via-se que ela estava deveras desconfortável com esse contato, assim como a sua presença. Um ódio começou a brotar de meu interior. Era tão intenso que poderia facilmente sair em disparada para atacá-lo. Entre tanto, o mordomo atrapalhou-me, vindo em minha direção após ter servido o chá. Passou por mim sem dar muita importância muito menos se mostrar surpreso por minha presença na casa num dia que não deveria estar lá. Mesmo com seu desdém não suportei e lhe direcionei a pergunta:

- Quem é aquele homem que acompanha a senhorita Charlotte em um chá?

- É o noivo da senhorita, noivaram há dois dias por consentimento de seu pai, senhor Brow. – Disse simplesmente e virou-se novamente seguindo seu destino. Mal podia creditar no que estava acontecendo. Não podia ser real. Isso era um desastre! Não, de jeito nenhum! Não aceitaria, não permitiria! Nem por cima de meu cadáver deixarei! Tenho de fazer algo, tenho que salvar minha flor das vis mãos desse homem metido a milionário. Milionário... Aquela simples palavra clareou minha mente. Aquele carro, aquelas roupas, aquele... RELÓGIO. Ele era o Homem do Relógio de Ouro que vi aquele dia. Bem que o achei familiar, bem que não fui muito com sua cara desde aquele dia. Com toda certeza não deixarei esse porco ganancioso levar minha preciosa Charlotte. Não importa o que seja preciso, não deixarei ela ir embora assim.

 Após terminarem o chá ele se despediu dela e entrou em seu carro, provavelmente, em direção à sua casa. Nem pensei duas vezes e o seguiu, o que não foi tarefa muito difícil já que dirigia em uma velocidade ridiculamente baixa. Com toda certeza fazia isso com intenção de esbanjar seu luxuoso veículo para todos. Isso me trazia ainda mais asco desse ser desprezível.

Após um tempo, ele parou em um bar muito luxuoso. Aproveitei para me esgueirar para mais perto do caro. Ele saiu do mesmo e entrou no bar. Logo após isso pequenas gotas de chuva começaram a cair do céu. Isso iluminou minha mente, me dando a exata idéia do que fazer. Era perfeito! Tudo se encaixava perfeitamente para meu plano. Parecia até um que o céu de Londres compartilhava do mesmo ódio que eu por aquele homem, assim tratando de virar meu comparsa para dar um fim ao mesmo.

Um pequeno riso escapou de meus lábios. Não serei passado para trás. Nunca mais deixarei que levem nada do que é meu novamente. Haja o que houver, custe o que custar à protegerei a qualquer custo minha querida flor.

"Hoje trazemos a notícia de um trágico acidente de carro ocorrido ontem à noite em uma das ruas nobres de Londres. O veículo colidiu com o muro e parte do portão de entrada da residência do rico dono de fábrica Sebastian Brown. Mais trágico ainda foi a vitima desse acidente: um jovem de 25 anos que morreu instantaneamente com o impacto o automóvel, deixando uma herança milionária para trás. A polícia averiguou o local do acidente e constatou que ele se deu por sabotagem. De acordo com os mesmos, os freios estavam danificados e os faróis quebrados, o que, segundo os policiais, deve ter causado o descontrole do carro por falta de visão, tendo em vista que dirigia durante uma tempestade. Além de que a falha dos freios não possibilitou que evitasse o impacto contra o muro da casa. De acordo com o senhor Brown ele a poucos dias havia pedido a mão de sua filha em noivado. Até o momento não encontraram nenhum suspeito."

"Esta manhã de outono em Londres foi cenário de mais um crime. Um jovem ferreiro foi encontrado morto nos arredores da propriedade da família Brown. Seu corpo estava jogado abaixo de uma árvore atrás da casa de Sebastian Brown, com uma grande ferida, fruto de uma forte pancada, em sua cabeça". Segundo entrevistas com os moradores, o rapaz frequentou os últimos dois dias a casa para fazer um reparo no portão de entrada da mesma – que havia sido danificado pele trágico acidente de dias atrás – e entes mesmo do serviço ser terminado o rapaz sumiu, sem dar resquícios de seu paradeiro. Na investigação feita pelos policiais foi descoberto que a pancada foi feita por uma barra de ferro – encontrada um pouco distante de onde o corpo estava de baixo de um monte de folhas – que, no caso, não possuía digitais e muito menos rastros de pegadas pelas folhas, o que levou as investigações novamente à estaca zero. Mais um crime insolucionado nas ruas de Londres."

"Ontem à tarde, mais uma morte ocorreu nos domínios da família Brown. A vítima da vez foi um pintor que havia sido contratado por Sebastian para fazer um retrato de sua filha única, Charlotte. O pintor foi encontrado morto no chão da sala onde estava sendo feita a pintura da jovem". De acordo com a averiguação da polícia, foi lhe oferecido uma xícara de chá tempos antes de seu óbito, e, analisando o líquido, descobrirão que o mesmo continha uma alta dose de um veneno do qual ainda não sabem a procedência. A família atualmente tem tido uma forte ligação com os assassinatos e acidentes ocorridos este ano. Alguns até cogitam a hipótese de a família ser o grande autor por trás desses crimes, porém além da negação de quaisquer acusações pela mesma, a policia não conseguiu nenhuma prova de envolvimento dos residentes da casa com os crimes. Este continua sendo mais um dos crimes não solucionados relacionados aos Brown."

Haja o que houver...

Custe o que custar...

Protegerei a qualquer custo...

Minha querida flor.

Pouco a pouco, as folhas das árvores caem.

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