Inverno

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No momento, estou a observar a chuva. Mesmo o inverno tendo começado, ainda chove. Chove na mesma intensidade e frequência que uma pessoa chora por coração partido. Gostaria de saber quem foi que partiu o coração deste melancólico céu. Talvez seja por outro motivo, talvez ele nem sequer tenha ou já teve um alguém para lhe partir o coração, para chamar de seu. Se for o caso, conheço sua dor. Também já fui sozinho, também já chorei tanto e já fui tão melancolicamente nublado quanto ele. Também já não tive alguém para chamar de minha. Entretanto, as coisas mudaram agora, pois nesse exato momento observava meu alguém.

Mesmo durante a incessante chuva de Londres, Charlotte caminha vagarosamente e sem resquício de preocupação. De fato não tinha conhecimento de sua fragilidade e vulnerabilidade, mas eu sabia. Sabia que uma chuva um pouco mais forte poderia facilmente levar-lhe as pétalas. Porém, não me deixei iludir por sua suposta coragem. Pus-me então vigilante, como um anão de jardim, ou mesmo um espantalho de plantação, disposto a assustar qualquer corvo insolente que ousasse chegar perto dela.

Toda via, precisava ser cauteloso, pois minha flor não sabia que estava sob minha vigia. Qualquer passo em falso ou movimento brusco denunciariam minha presença, ainda mais em dias chuvosos como esse onde cada passo é como um campo minado.

Apenas quando chegou à frente de um parque – bem vazio por sinal – que foi parar, e pôs-se a esperar por algo. Charlotte estava agindo de modo muito incomum durante esses dias. Seu olhar era sempre tão distante. Nem seu livro lia mais, apenas ficava sobre a pequena mesa, intocado, enquanto ela observava o cair das ultimas folhas do outono. Quase não ia mais ao jardim, o que deixava meu peito insuportavelmente vazio. Mesmo esforçando-me para manter as flores do jardim protegidas das mudanças de estação, com o passar das mesmas minha querida flor parecia se distanciar cada vez mais de mim. Não conseguia compreender o que se passava. Eu havia eliminado todas as pragas do jardim, assim, ela deveria estar florescendo majestosamente como o esperado. Em vez disso, parecia minguar e se fechar, com um botão de rosa, impedindo que pudesse ver suas lindas pétalas. Deveria arrumar um jeito de abri-la novamente, mas como?...

Antes de pensar em uma solução, a tensão surge em mim quando avisto um homem vindo em direção à Charlotte. Ele vestia um, sobretudo preto e um chapéu na mesma coloração, impedindo que visse seu rosto. Foi então que ao ficar de frente para ela a envolveu com seus braços, derrubando no processo seu guarda-chuva e o de Charlotte.

Naquele momento quase perdi a cabeça. Todas as minhas células se debatiam em fúria dentro de mim. Meu ódio era tamanho que chagava a ser palpável. Mais uma vez tentavam roubar Charlotte de mim. Por quê? Por que todos tentam roubá-la de mim? Meu precioso tesouro esta novamente em perigo tinha que protegê-lo a qualquer custo!

Malditos ladrões, se pensam que podem roubá-la de mim estão redondamente enganados!

Assim que se desvencilharam daquele abraço pude ver claramente o rosto do ladrão. Mais uma vez a mão do destino estava presente. Ora se não era o jovem Musico. Essas grotescas coincidências do destino se tornavam cada vez mais insuportáveis e irritantes. Todos esses homens... Deveria tê-los nomeado de pragas.

Apenas o que queria era acabar logo com aquele homem, tirá-lo do caminho entre eu e minha amada. De fato ela não deveria gostava dele, como gostaria de homens como esses ladrões. Eu fui o único que conseguiu enxergar através de sua essência, fui o único a descobri-la de verdade. Eles não têm o direito sequer de olhar para ela. Olhar... Espere! Olhar? Que espécie de olhar é esse que minha bela Charlotte direciona ao Musico? Isso seria... Seria... Um olhar de... Paixão? Não! IMPOSSÍVEL. Devo estar enxergando mal. Ela esta sorrindo para ele? Por que ela sorri para ele? Que feição alegre é essa que minha flor esboça para alguém quem não sou eu? 

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