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Dedicado à QuaseCarol

Obrigada pela permissão ao deixar-me usar o mundo que criou para fazer outro conto.
Obrigada também por escrever comigo <3
Sem você não seria possível.



Pisco dez vezes perante o anúncio digital diante de mim.

Palavras em tons prateados e vermelhos. Leds artificiais como as minhas placas. Tenho que segurar a vontade de dar tapas em minha cabeça. Meus sensores de visão não devem estar pegando como deveriam.

ABAIXO A MONSTRUOSIDADE:

Concordamos que a tecnologia trouxe avanços significativos a sociedade, com todas as facilidades que a mesma poderia trazer ao nosso dia-a-dia. Mas após incidente na Thenton Technologies e a monstruosidade que fizeram com Justin Yomashi, filho de um dos programadores mais qualificados do mundo, Tae Yomashi, o Governo Real da Nova Grécia não admitirá mais que tais distorções e anormalidades adentrem em território nacional.

Em pronunciamento oficial de vossa alteza real, o Príncipe Regente, Narkys Archeron II, foram declaradas as seguintes palavras:

"Androides, Sintéticos, Ups ou qualquer coisa do gênero estão oficialmente proibidos em nossa nação. A humanidade perdeu-se em suas próprias invenções. Querem brincar de serem Deus. A Vida e a Morte já não são o suficiente. Mas em minha nação, isto não será admissível. Somos humanos e apenas isto.

Carne, osso, sangue e coração. "

Cérebro. Vossa alteza não incluiu a palavra cérebro na equação. Então eu me forço mesmo a acreditar que, talvez, tais medidas não estejam aplicadas a mim. Que talvez, o príncipe ainda me consideraria humana se soubesse o que sou. Que talvez eu não precisarei abandonar toda a minha vida aqui e fugir como um rato foge de um gato a seu encalço.

Talvez eu estar aqui não seja realmente uma traição.

O bipe soa em meu relógio de pulso e eu leio a mensagem.

- 10 Minutos: limpeza dos aposentos reais. Tempo de duração requerida: 25 minutos. Prioridade: 1.

Suspiro e forço-me a voltar a realidade. Com certeza algum fio na minha cabeça vai queimar se eu não me desligar de tais notícias. Mas não consigo deixar de me preocupar. Se tal decreto já está sendo divulgado nos monitores noticiários do palácio, todos no país já devem estar cientes. O metal das minhas meninges está se derretendo.

O bipe soa mais uma vez então faço meu corpo se mexer.

Vou até a Sala de Limpeza, pegar os materiais necessários para a limpeza do quarto do príncipe. Engraçado... faz quase um ano que eu sou responsável por tal tarefa e, de certa forma, ao conhecer tão bem seu quarto, sinto um ar de intimidade com o jovem homem mais poderoso do país. Mas a realidade é que ele sequer falou comigo alguma vez. Quase nunca o vejo e quando o vejo, é de longe ou acompanhado por outros. Talvez esta suposta intimidade seja fruto das minhas idealizações infantis. Sou uma garota patética que cria nos fundos dos fios acobreados de meu cérebro um universo em que o príncipe me conheça. Um conto de fadas que não poderia existir, ainda mais agora que sei o quanto ele repudia o que eu sou, ainda não sabendo exatamente o que eu sou.

Além de anormal eu sou tola.

Estou em uma salada de sentimentos. Sou como a água suja do balde que sempre carrego. Sinto raiva, revolta, medo e confusão. Raiva do garoto japonês que apareceu em vários e vários vídeos na internet. Depois sinto culpa, pois sei o que ele deve ter sentido. Enquanto minha mente é feita de fios, ele é inteiramente feito deles e de metal. A dor com certeza é maior. Agora sinto esperança... Esperança que talvez ele tenha conseguido mesmo fugir com aquela garota coreana. Ela parecia nutrir algo por ele. Então sinto inveja... porque se fosse eu em seu lugar, não haveria um que me apoiaria. Sou só eu e este balde.

- Átisla! O quarto de sua Alteza! - Greta, a chefe da criadagem, me apressa em meio ao fluxo de atividades dos outros criados.

Assinto, retirando-me da nevoa de meus devaneios, e recolho o balde e o rodo.

Graças a Deus, o palácio conta com elevadores. Eles me permitem subir rápido até os aposentos do príncipe e, com certeza, facilita a viagem já que carrego penosamente todos os materiais para a limpeza. Saio do elevador sem ao menos ter notado que entrei. Arrasto comigo os itens até a porta do quarto real - que se destaca das demais por ser grande e ornamentada em flagelos dourados. Abro a porta com o passe de acesso e empurro-a com os quadris.

Não tenho muito o que reclamar da limpeza do príncipe Narkys. Nunca me deu muito trabalho limpar o seu quarto. São mais os detalhes como tirar o pó e limpar o chão. Fora isso, o príncipe é um homem organizado. Meu coração bate em meus dentes quando sobressalto-me com o barulho da porta sendo aberta.

- Baile, baile, baile... estamos no século vinte e dois e ainda essas besteiras de baile e realeza.

Se meu coração há pouco estava nos dentes, agora está no dedão do pé. A voz é do príncipe Narkys. Me abaixo, automaticamente, deixando meu corpo sobre os joelhos e finjo estar totalmente entretida na limpeza do carpete bege. Ele... nunca entrou em seu quarto durante minha limpeza. Por sorte, consigo ver por detrás da mesa que estou que ele está falando ao telefone.

- Estou mais preocupado com a história das máquinas. Não sei porque concordei com tudo isso... O que? Sério mesmo que eu tenho que decidir qual cor usar nas toalhas de mesa? Não dá pra passar essa tarefa pra uma decoradora não?

Respire fundo. Respire fundo... respire...

Bato minha cabeça com tudo embaixo da mesa de mogno e solto um arquejo de dor. O príncipe também solta um resmungo, vindo mais de um susto do que de qualquer outro tipo de mal.

- Vossa alteza, me desculpe, só estou limpando - reverencio-o com meus olhos no carpete.

- Oh... tudo bem. - Ele fala com uma leve risada e eu arrisco olhar rapidamente.

Minha ruína é construída em milésimos de segundos quando o mar de meus olhos azuis encontra os pinheiros castanhos dos seus. Seu rosto ainda um pouco surpreso e a boca entreaberta. Sua pele morena quase reluz em tons dourados por baixo das lâmpadas amareladas do quarto.

Não devia ter olhado. Meu HD está tostando.

- Ei, você é uma moça, não é? - Ele pergunta repentinamente.

Levanto meus olhos de volta ao seu rosto esculpido. Agora meu coração se enrolou nos fios do meu cérebro.

- Acho que sou - dou de ombros, odiando-me por parecer desdenhosa.

- Ótimo... - ele sorri, mostrando os dentes mais brancos do que o nada - pode, por favor me ajudar com algumas amostras de tecido? Não faço ideia do que escolher...

(1095 palavras)

Olá! Sejam bem vindos a Sinópticos.

Este conto foi escrito por mim e pela QuaseCarol que primeiramente criou o maravilhoso mundo onde se passa a história.

A distopia tem como início Sintético, um conto escrito pela própria Carolzinha (e só por ela). Este conto, apesar de individualista, puxa algumas partes de Sintético para ele. Breves referências que podem ser entendidas mais a fundo caso leiam o conto que pode ser encontrado no perfil da autora QuaseCarol.

Agora, para você que veio aqui através da história de Sun e Sheevey, espero que goste e aprecie o conto tanto quanto apreciou Sintético ;)

Bjs, Ewi.

Coroas de Lata - Sinópticos |Conto2|Onde histórias criam vida. Descubra agora