CAFÉ

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ANA

As ruas de São Paulo são sempre tão movimentadas, com tanto barulho de carros, pessoas conversando, turistas empolgados, crianças chorando. Às vezes eu fico meio perdida no meio de tanta gente, mesmo tendo crescido na famosa cidade que nunca para.

Faço o mesmo caminho para o trabalho todos os dias tem uns três anos, encontrando as mesmas pessoas, passando em frente aos mesmos prédios, vendo as vitrines das mesmas lojas. E eu nunca enjoei de nada disso.

Olhei no relógio e já passava das oito da manhã, e significa o quê? Isso mesmo, que eu estou atrasada. Minha irmã provavelmente está querendo me torturar usando algum método da idade média, porque temos um projeto pra concluir e entregar o mais rápido possível. Acelerei o passo na tentativa de chegar mais rápido, mas era impossível passar no meio de pessoas que estavam no mesmo estado de agitação que eu nesse exato momento.

Atravessei a rua em passos largos e, chegando do outro lado da calçada, senti meu ombro trombando com o de alguém e algo quente caindo sobre a minha pele.

Complemento. Colisão. Equilíbrio. Sinergia. Fusão. 

Alguém havia derrubado café em mim. Só podia ser brincadeira. Justamente no dia em que eu estou atrasada?

Olhei pra minha roupa molhada e com uma mancha enorme e uma mulher loira levantou analisando o celular que provavelmente tinha caído quando colidimos. Ela carregava um copo grande da cafeteria que eu sempre ia, sem tampa com café até a metade. Maldito atendente que não tinha fechado isso direito!

— Me desculpa, sério, meu deus, me desculpa, mulher! — Ela falou quando olhou pra minha roupa e minha cara nada amigável. Mas, parando pra pensar, ela não teve culpa. Quem estava andando quase correndo era eu.

— Não tem problema, a culpa foi minha que estava andando que nem uma louca. — Tentei acalmá-la e finalmente olhei pro seu rosto. Olhos quase verdes, cabelos loiros compridos e incrivelmente volumosos e cacheados e bochechas rosadas. Ela definitivamente era linda!

— Olha, agora sua roupa... — A interrompi.

— Isso vai secar. Seu celular quebrou? — Perguntei olhando pra sua mão que segurava o aparelho.

— Eu espero que não. — Ela sorriu forçado. — Eu moro naquele prédio ali. — Ela apontou pra um prédio no meio do quarteirão — Se você quiser, posso te emprestar uma blusa pra ir pro lugar que estava indo, seja lá onde for. — O desespero dela era notável.

— Eu só tô indo pro meu trabalho, não tem problema algum. Na verdade o único problema é que estou atrasada. Me desculpa, posso te pagar outro café, se quiser. — Sorri olhando pro seu copo.

— Não se preocupa não, isso é o de menos. — Ela sorriu de forma doce.

— Preciso ir, mais uma vez, me desculpa! — Falei, já saindo em direção ao prédio onde ficava o meu bendito escritório.

A mancha na minha blusa acabou secando rápido, mas ela ainda estava aqui. Passei o dia todo mexendo em algumas plantas de casas de clientes, mas meu pensamento estava em quem esbarrei hoje. Se fosse qualquer outra pessoa, teria me xingado e ainda me feito pagar outro café e quem sabe até outro celular. Eu possivelmente teria tirado a blusa e feito a pessoa lavar. Mas ela foi tão simpática que eu realmente lhe pagaria outro café. Outro celular, já é outra conversa. E fui mal educada a ponto de não ter perguntado nem o seu nome.

Desliguei o computador, juntei os papéis que estavam esparramados em cima da minha mesa e tranquei a porta da sala. Me despedi da minha irmã que ainda não havia acabado o seu projeto e dos outros funcionários. Entrei no elevador, me olhei no espelho e acabei rindo sozinha da minha blusa totalmente coberta por café.

Engraçado que, em vários anos fazendo o mesmo caminho, nunca tinha acontecido de esbarrar em alguém tão forte a ponto de derrubar algo. Pelo menos dei sorte de ter sido com alguém que não quis cortar meu pescoço.

Saí do prédio e parei na esquina onde ocorreu nosso pequeno incidente e olhei pro prédio onde ela havia dito que mora. Fiquei imaginando se ela mora sozinha ou com o namorado, talvez marido e, quem sabe, até um filho. Atravessei a rua e parei na outra esquina quando a vi descendo a pequena escada que saía da porta e levava até a calçada e ela não estava sozinha, havia uma criança com ela. Uma menina, pra ser mais exata, do tamanho de alguém de uns cinco anos... As duas caminhavam pela calçada de mãos dadas na direção oposta à minha.

Ela parece ter vinte e poucos anos, até que nova pra ter uma filha daquele tamanho. Se é que realmente era filha dela.

Andei até minha casa decidida a não querer saber mais da vida das pessoas com quem eu esbarro pelas ruas dessa cidade cinza.

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