Capítulo

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Marin começava a pensar que havia algo de errado com ela. A casa era perfeita, não havia nada que fosse ruim. Nada que explicasse essa aversão que a garota cultivava desde o momento que entrou pela porta da frente.

Era uma construção antiga. Já existia há muito tempo, mas não por tempo o suficiente para ser notável. Uma casa grande, bonita e poeirenta. Não existiam exatamente muitas pessoas dispostas a compra-la. "Não vale o preço cobrado" é o que diziam.

Mas era uma construção com muito potencial. Pelo menos era o que a mãe de Marin dissera ao fazer o negócio. A mulher não parecia se importar em gastar a mais com reformas e móveis novos para que a casa ficasse habitável novamente.

Não fazia mais que uma semana que haviam se mudado. A garota agora tinha um quarto muito mais espaçoso e um banheiro só para si. Deveria estar pulando de felicidade, mas a verdade que tudo lá dentro parecia errado, ela apenas não conseguia entender o porquê.

Olhou para seu novo quarto mais uma vez. As paredes eram impecavelmente brancas, tão brancas que os olhos doíam se olhassem para elas por muito tempo, e o chão, surpreendentemente limpo. Nem parecia que a última faxina que a casa recebeu foi um dia antes da mudança começar.

Exceto por esses detalhes, o quarto estava uma bagunça. Caixas vazias acumuladas em um canto e o plástico bolha que a menina usara para embrulhar os objetos mais frágeis estava espalhado pelo chão.

Jogou a última caixa, que ela tinha acabado de esvaziar, no canto, próxima às outras. Pensou em arrumar a bagunça que causara desempacotando a mudança, mas decidiu deixar isso para depois. Estava exausta.

Pegou seu celular e seus fones de ouvido e se jogou na cama, procurando por entre suas playlists alguma música boa.

Naquele instante sua mãe surgiu pela porta.

- Conseguimos! - exclamou ela.

Seus cabelos castanhos estavam amarrados em um rabo de cavalo alto e, apesar de parecer cansada, sua boca se abria em um brilhante sorriso.

Marin lhe lançou um olhar indagador.

- Nós terminamos de desempacotar a última caixa! - sua mãe explicou, mostrado a caixa vazia que carregava na mão - Estamos oficialmente morando aqui agora.

- Ah - foi simplesmente a resposta que ela recebeu da filha.

A garota sabia, no fundo de sua alma, que não deveria ser tão indiferente quanto a felicidade da própria mãe, mas não conseguiria fingir que estava agradada com a notícia. Ela gostava do apartamento que viviam antes. Era apertado, mas sempre fora seu lar. Ela achava que era cruel da parte da sua mãe querer mudar tudo assim, repentinamente.

Percebendo que sua filha estava emburrada, falou:

- Vamos, anime-se! É um novo começo! Novos começos são sempre bons, não são?

Marin a lançou um sorriso sem graça.

- É, acho que são...

Sua mãe lhe deu um beijo na testa:

- Sim, são. Agora, por que você não arruma essa bagunça logo, para poder ir dormir? Já está ficando tarde e amanhã seus primos vão vir nos visitar.

Marin apenas acenou e fingiu estar feliz com a notícia. Quando sua mãe deixou seu quarto, voltou à sua tarefa anterior de escolher uma música em seu celular.

Não conseguia encontrar a disposição para limpar toda aquela bagunça de papelão e plástico bolha, então decidiu ficar mais um tempo deitada ouvindo suas músicas e observando as eventuais formigas que apareciam pela parede.

Antes que encontrasse disposição, porém, ela cedeu ao seu cansaço e adormeceu, ainda suada e com as roupas que usara naquele dia.

Sua mãe, apesar de ter pedido para filha ir dormir, ficou acordada por mais tempo, apreciando a casa. Naquele momento ela entendia porque chamavam arquitetura de arte. Aquela casa não podia ser nada além de uma escultura, cada detalhe lindo e perfeito. Uma obra de arte.

Talvez fosse por isso que Marin não gostava de sua nova casa. Obras de arte foram feitas para serem apreciadas de longe, nunca tão de perto.

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