Capítulo

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Desde aquele dia as imagens a assombravam.

Toda vez que fechava os olhos, tudo que podia ver era a garota de rosto manchado. Isso a estava perseguindo.

Fazia apenas uma semana que ela achara as fotos. Apenas uma semana que sentia a Presença por onde quer que fosse. Mas pareciam anos.

Esse era o nome que Marin tinha dado para aquilo. Presença. Não havia nenhum outro termo que conseguisse explicar melhor.

Sempre que ela ficava sozinha a Presença voltava. A garota sabia que só podia ser coisa da sua cabeça. Não existia explicação racional para isso.

Era como uma criança que acha que tem um monstro no armário. Não era real.

Mas Marin sentia essa Presença quase como se fosse uma dor física. Como se olhos perfurassem sua pele e mãos congeladas tateassem seu corpo.

A Presença nunca falhava, aparecia sempre no exato momento que a garota era abandonada. Aquela noite não seria diferente.

- Mãe, não vá! Fica mais um pouco comigo. - a menina soava desesperada até para si mesma, mas sua mãe não havia percebido esse tom de voz.

- Filha, eu tenho que dormir. Não tenho tempo para gastar aqui.

- Mas ...

Antes que pudesse terminar a porta já estava se fechando atrás das costas de sua mãe. Quase instantaneamente, Marin sentiu alguém ao seu lado.

Deitou-se, virando para a direção contrária à da Presença. Fechou os olhos com a intenção de dormir, mas não conseguia.

Seu coração batia, acelerado com um medo sem sentido. Não deveria ter tanto medo de um fruto de sua imaginação.

Tentou mudar de posição algumas vezes, achando que talvez assim conseguiria cair no sono, mas nunca achava uma posição confortável o suficiente.

Quando finalmente estava prestes a cair no sono, sentiu a Presença se aproximando.

Fechou os olhos com força. Quase jurava que podia ouvir os passos da delicada figura sobre o piso laminado que sua mãe colocara na reforma.

Mesmo de olhos fechados, podia visualizar a cena toda em sua cabeça. Aquele ser misterioso que ela nunca se atrevera a ver. Em sua cabeça, ela era a garota da foto.

Cabelos curtos cobrindo boa parte do rosto. Sapatos pretos desgastados e um vestido xadrez antigo, deteriorado, sem cor.

Ela se aproximava, dolorosamente lenta. Isso assustou a garota, que de repente se sentiu ainda menos segura do que se sentia antes. A Presença nunca havia se aproximado, nem mesmo um centímetro, e, agora, estava a milímetros de distância.

Marin sentia o peito doendo, mas não entendia ao certo o porquê.

A Presença estava ao seu lado na cama, tão próxima que era quase possível sentir sua respiração sobre o ombro.

A menina queria abrir os olhos e olhar para trás. Queria provar a si mesma de uma vez por todas que não havia motivos para ter medo. Que a Presença era só mais um monstro no armário, e que ela estava muito grande para acreditar que ele era real.

Respirou fundo, pronta para olhar para o lugar que a estava incomodando, mas foi parada. Foi parada pelo temor. Pela possibilidade de se virar e encontrar mais que um espaço vazio. Sabia que, se isso acontecesse, por mais improvável que fosse, tudo seria pior.

Começou a ouvir alguns barulhos ao seu lado, como se algo estivesse tentando chamar sua atenção. Querendo faze-la virar a cabeça. Olhar para onde não queria olhar. Olhar para onde não podia.

"Olhe e você vai ver que é uma coisa boba, Marin. Algum inseto, o vento... Olhe e você vai conseguir dormir em paz novamente"

"Olhe e você morre."

Vozes gritavam dentro de sua cabeça. Sua própria voz, brigando mentalmente com si mesma enquanto a Presença a esperava tomar sua decisão.

Não percebeu suas lágrimas até que o travesseiro estivesse encharcado. Trêmula, colocou suas mãos no ouvido. Não queria mais ouvir aquele som. Não queria mais isso.

Os minutos se alargaram em horas até que Marin caiu no sono em meio às suas lágrimas e ao desespero. A figura que lhe assombrava nunca saindo de seu lado.

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