Voltou-se novamente para a vidraça. Tentou desfocar a sua imagem e focalizar o dia lá fora, que seguia nublado. De onde estava só era possível ver parte do grande muro vermelho do outro alojamento em uma perspectiva mínima e distante. Então, estar diante da janela não a deixava visível o suficiente.Mas o silêncio sepulcral, este sim, poderia ser um grande aliado. Assim, começou a gritar. Era difícil, a laringe esmagada apenas deixava emitir ruídos estranhos que se assemelhavam a grunhidos. Porém tinha a certeza de que seriam suficientes.
Continuou berrando insistentemente e só parou quando ouviu a porta se abrindo atrás dela. Através da vidraça, pode ver um vulto masculino que se adentrava em seu quarto. De fato, seu chamado fora atendido e bem rapidamente.
Apreensiva, viu que ele fechou a porta com certo cuidado e ouviu seus passos no assoalho de madeira, um a um em sua direção.
- Por... Favor... Ajude... – Implorou, se engasgando com a própria saliva.
O sujeito se instalou atrás dela sem dizer uma palavra. Estava tão próximo e imóvel que ela pode sentir sua respiração em pequenos golpes de ar que acertavam suas costas petrificadas. Algo de muito mau gosto a ser feito com alguém naquela frágil condição.
- Por... Favor... Arg... – Continuou a suplicar.
E o visitante permanecia irredutível, sem se mostrar. Como uma sombra perto de Isabel.
- Me ajude...
Até que ele se colocou à sua frente. Tratava-se de um homem alto e esguio, que aparentava ter em torno de 35 anos. Possuía um semblante enigmático emoldurado por uma barba cerrada cuidadosamente aparada e cabelos negros bem penteados com sebo. Elegante, vestia um terno de linho escuro, impecavelmente vincado, que combinava com os óculos de aro de tartaruga e os sapatos pretos, tão brilhantes, que ela poderia ver sua imagem horrorosa refletida neles, como se fossem bibelôs de vidro negro.
Curiosamente, o homem não parecia apreensivo com o fato de ver Isabel enforcada à sua frente. Apresentava a fisionomia de quem já havia presenciado algo parecido antes.
Ela o fitou em prantos. Mas, agora, suas lágrimas assumiam o tom de alívio. Afinal, através dele, poderia ser liberta daquele castigo insano.
- Ajude-me...
Ele sorriu. Inclinou-se lentamente e puxou a cadeira do chão. Suspendeu-a no ar, com as duas mãos, defronte ao seu rosto suplicante.
- É isso que você quer? – Ele perguntou. – Sua voz era serena, contudo em seu olhar havia algo de assustador, indefinível.
Ela assentiu piscando os olhos.
O homem, então, baixou a cadeira. Mas em vez de coloca-la sob os pés da moça, sentou-se sobre o móvel, bem na frente dela.
Ela tornou a chorar. Percebeu que ali não estaria a sua salvação e, sim, o início de um sofrimento ainda maior.
- Monstro! – Conseguiu gritar. – Eu vou... Morrer!
Ele sorriu mais uma vez. Cruzou as pernas com elegância e inclinou o corpo esguio para frente dizendo calmamente:
- Você já morreu, Isabel... Você já morreu.
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Inimigos Imaginários
TerrorIsabel acordou atordoada. Apesar de consciente, não conseguia abrir os olhos e nem se mover. E, por mais que tentasse, não se lembrava do que acontecera nas últimas horas.