O HOSPEDEIRO
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O alívio ao entrar em casa era imediato. O vento frio que soprava do lado de fora obrigava Jet a sair metido dentro de um longo sobretudo.
O início de mais um rigoroso inverno, remetia-o a velhas lembranças. Sentado em frente a uma grande lareira de tijolos, rubros e já gastos com o passar do tempo, adornada em mármore negro que ardia em chamas, o homem imaginava como estaria, após tantos anos, seu grande amor. Na parede acima da lareira, uma gravura destacava-se como peça principal, um rosto simples e angelical com olhos brilhantes e fixos que pareciam estar vivos brilhava ao refletir a luz do lustre que pendia do teto, não deixando dúvidas sobre sua importância. A poltrona em couro marrom envelhecido, com pés entalhados em madeira nobre, parecia tão antiga quanto a esperança que ele insistia em não abandonar, mesmo depois dos percalços.
Concentrado Jet mergulhara em um de seus livros prediletos, um dos muitos de sua extensa coleção, deixando de lado seu único hábito: uma xícara de chocolate quente, que esfriava lentamente repousada sobre uma pequena mesa redonda ao lado da poltrona. Largando a leitura de lado focou seu pensamento em uma das achas de lenha incandescente que estalava e chiava expulsando a água na ponta ainda livre do fogo. Assim adormeceu profundamente.
A não ser pelas rugas de expressão e uns poucos fios grisalhos, o homem de um metro e oitenta e três ainda podia descrever-se quase que como anos antes, olhos castanhos esverdeados e cabelos de mesma cor, salpicado por fios brancos que vez ou outra, eram dolorosamente arrancados, um sinal de que aceitar a passagem do tempo era ver sua vida partindo como um navio no horizonte. Neurótico com os males do sal procurava manter uma dieta saudável, apesar de descobrir que tinha uns quilinhos a mais, nada alarmante, mas que parecia não perdê-los.
Ao adormecer, sentado, por um breve instante ele voltou no tempo, Jet não sabia como, não estudara sobre o assunto, mas sentia que quando simplesmente sonhava com ela, acordava inspirado. E foi assim que se vislumbrou no velho jardim onde tudo começou. A festa na varanda estendia-se pelo imenso gramado que mais parecia um tapete verde e uniforme, olhando para rua no lado esquerdo rosas vermelhas e outras plantas enfeitavam o canto do muro enquanto que, no meio do jardim, frutos de um frondoso jambeiro salpicava de roxo quase preto o chão a sua volta. A propriedade sem portões dava a seus visitantes a leve sensação de liberdade. Jet observou atentamente a chegada de cada convidado enquanto esperava encontrar seu amigo.
Para sua surpresa, Hernandes já estava no festejo, sorrindo e conversando animadamente, Jet contava com ele, apesar de ter sido convidado, isso só aconteceu por pura educação e, se não fosse a insistência de Hernandes, ele jamais teria ido a festa. Estava tudo muito claro, Hernandes só pensava em si mesmo. Mas algo, ou melhor, alguém, involuntariamente chamou sua atenção, metida em um vestido azul marinho, a bela mulher desdobrava-se buscando dar atenção por igual aos presentes, que se aglomeravam a sua volta.
Quanto a Hernandes, ele parecia bem à vontade e despreocupado, sorridente, falava ao pé do ouvido de uma jovem que o ouvia atenta, demonstrando interesse.
"O que estou fazendo aqui?" Perguntou-se, sorrindo quase falsamente a si mesmo.
Afinal de contas não conhecia ninguém, além da amável senhora Veridiana que gentilmente o convidou. Vera, como era chamada carinhosamente pelos amigos e familiares, planejou o evento para comemorar os dezessete anos de uma das filhas. Os amigos mantinham Ciliane distraída na igreja em que a família frequentava, até que fossem comunicados de que tudo estava pronto, ainda por concluir os preparativos Vera chamou Jet dando um sinal com o dedo, perguntando visivelmente insatisfeita:
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VOCÊ PRA MIM
RomanceAs emoções se misturam num compendio onde tudo faz sentido, o mistério prende o leitor de forma enigmática por traduzir em palavras um amor cindido e complexo, que só quem viveu é capaz de compreender.