CAPÍTULO IX
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Duas semanas depois e o clima ainda estava pesado, sentado em um pequeno banco de madeira, flagrei-me remoendo minha vida em silêncio, lembro-me de algo que mexeu muito comigo, o aroma adocicado do café mais uma vez tomava conta da velha casa, quando nossa irmã caçula aproximou-se e ofereceu-me uma xícara já servida e deu-me as costas friamente.
Suas palavras eram meigas como sempre, arfei enchendo os pulmões de oxigênio, como que expulsando algo ruim de dentro de mim.
Os olhos castanhos claros que inspiravam timidez e bondade, pela primeira vez pareciam acusar-me. E não se tratava de paranoia, Jose estava mesmo estranha, ao entregar-me a xícara ela claramente procurava não olhar em meus olhos, mesmo quando toquei carinhosamente seus dedos ao pegar o café fresco.
Tomei lentamente a bebida, concentrado em meu novo mundo. Terminei o café e fui ao telefone público... "O que vou dizer?" Indagava comigo mesmo, enquanto caminhava.
Imaginava a surpresa de Gis ao ouvir minha voz e assim meio sem pensar completei a chamada. Permaneci em silêncio e literalmente congelado por alguns segundos.
"Com quem quer falar?" Indagou a truculenta voz masculina.
"Gisele!"
"Aguarde um instante vou chamá-la!"
Adilson era um bom homem, mas vez ou outra perdia a oportunidade de fazer um novo amigo, seu jeito de falar principalmente com desconhecidos transmitia a ideia de auto- suficiência, mas isso não era verdade, não passava de má impressão, o jeito quieto e enigmático o tornava surpreendente, ele aparentemente estava ciente da realidade a sua volta, e nada passava despercebido de suas antenas sempre ligadas. O silêncio reinava enquanto esperei pacientemente prestando atenção em cada ruído do outro lado da linha.
"Alô!" Disse ela finalmente.
A voz de Gis penetrou em meus ouvidos, como uma música romântica, aquela que te leva a muitos lugares em poucos segundos.
Gisele parecia distante e alheia ao que estava fazendo, mas sabia sobre meu retorno forçado, depois de poucas palavras disse que estava de saída.
Ao colocar o fone no gancho caminhei lentamente pela beira do asfalto, cabisbaixo como se procurasse algo perdido, sentia no peito o resultado da voz fria, quase indiferente de minha amada. Ela me chamou de querido é verdade, mas Gis não falava assim, foi gentil apenas por educação e eu senti profundamente.
Algum tempo depois compareci ao fórum para mais uma audiência, mas fui liberado, só seria obrigado a voltar caso algum suspeito fosse preso.
Voltei a trabalhar com nosso pai. Nesses dias papai estava calado como nunca e fumou muito mais do que de costume, falava só o necessário e distante parecia mergulhado em pensamentos ou recordações nada agradáveis. A expressão em seu rosto denunciava que sua paz fora roubada, talvez fossem lembranças de sua infância nada fácil no cabo da inchada, ele contava histórias horripilantes do que passou nas mãos da madrasta. Dario, seu irmão caçula tivera sorte segundo ele, faleceu aos 14 anos vítima de hepatite, na época nosso avô era muito complacente aos maus tratos da esposa com os filhos, segundo ela tinha outro nome, EDUCAÇÃO.
Eu sabia que não adiantava buscar desculpas para explicar a insatisfação de nosso pai, o motivo era óbvio, ele permaneceu calado, apenas respondia o que lhe era indagado.
Já era domingo e mais um temporal castigava ruidosamente a cidade, a água escorria nos cantos da rua e entrava pela guia rebaixada do portão grande, as grossas e constantes chuvas levavam cada vez mais terra do terreno, causando pequenas erosões no pátio da casa, os canos de água instalados ainda durante a construção ficavam enterrados a pelo menos um palmo de profundidade, e há muito tempo já estavam expostos, o resultado dessa exposição era oito ou nove remendos em sua extensão.
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VOCÊ PRA MIM
RomanceAs emoções se misturam num compendio onde tudo faz sentido, o mistério prende o leitor de forma enigmática por traduzir em palavras um amor cindido e complexo, que só quem viveu é capaz de compreender.