— Professor Freud?
Um homem levantou-se e sorriu para a garota. Cabelos escuros e uma barbixa de bode saíam de sua pele. Por trás de um par de óculos de armação moderna, sobrancelhas grossas e olhos caídos escondiam-se. Aparentava não ter mais que quarenta anos.
Alice observava as estantes, boquiaberta. Visitara uma das alas da biblioteca no dia anterior, mas a central tirava-lhe o fôlego. Ela sentia-se em algo equivalente ao paraíso. Uma longa fileira de pequenas mesas com objetos estranhos envoltos por redomas de vidro separava as fileiras de estantes. Caminhou até um deles, intrigada.
— Eu já vi isso antes.
— Impossível, querida — disse o homem, aproximando-se — Esse medalhão foi feito por uma amiga, há muito tempo.
A garota ainda observava o objeto quando Savannah aproximou-se de ambos.
— Ah, professor. Era sobre isso que eu vim falar — coçou a cabeça, inquieta — Esta é Alice Saint-Marie.
O mestre assentiu, nostálgico, e olhou da aluna para a novata, que forçava a memória em busca de algo que remetia àquele objeto.
— Savannah, me dê licença por um momento? — pediu, sem desviar o olhar da jovem — Preciso falar com ela a sós.
Assim que a colega retirou-se e fechou as portas atrás de si, Alice virou-se, confusa.
— Para onde ela foi? — perguntou, receosa.
— Acompanhe-me e prometo que responderei suas perguntas.
O professor guiou a garota até o centro do corredor e ambos sentaram-se frente à frente, separados apenas pela mesa da mogno adornada por duas pilhas de livros, caneta tinteiro, envelopes e um pequeno porta-retratos cuja foto não era visível à Alice.
Freud apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos, observando-a. Alice estava assustada. Não entendia o que o homem queria com ela, muito menos por que encarava-a fixamente, os grandes olhos castanhos imóveis.
— Então... O que o senhor quer falar comigo? — perguntou, após remexer-se na cadeira, desconfortável.
— Por favor, trate-me por "você". "Senhor" me deixa mais velho — pigarreou — Sua mãe é Patricia Saint-Marie?
A novata sentiu um calafrio percorrer sua espinha, do cóccix ao pescoço, arrepiando-a. Mesmo assim, confirmou.
— Bem, ao menos sabemos por que reconheceu a joia — ele coçou a testa — Sua mãe fê-la há muito tempo, talvez a senhorita tenha vislumbrado-a trabalhar.
— Você conheceu minha mãe? Ela trabalhava aqui? Não, ela era apenas uma escritora!
Freud estalou os dedos, e segundos depois, virou-se para sua esquerda, encarando fixamente uma bolha de luz que pairava no ar. Alice apenas entendeu do que travata-se após forçar a visão: uma criatura cujas asas pareciam feitas de luz, sem adornos e pompons como nos desenhos animados. Era apenas luz. Os cabelos esbranquiçados em coque permitiam notar que não possuía orelhas pontudas ou algo similar. Era assombrosamente humana, exceto pelos olhos lilases compreensivos e harmoniosos, além do tamanho, que não passava de um punho fechado.
— Meu Deus! É uma fada! — gritou, entusiasmada.
A criatura voou até o rosto de Alice, pairou no ar a sua frente e observou-a. Maravilhada, a mineira tocou uma das asas com o dedo indicador, ao que o ser reagiu produzindo um som semelhante ao tinir de sinos, enquanto sorria e balançava as perninhas para cima e para baixo, as mãos apertando a barriga. Ela sentia cócegas.
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The Dark Crystal
AdventureAlice vivia com o padrasto em um bairro na zona sul de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, até que, em seu aniversário de dezesseis anos, foi forçada à fugir. Eventos aparentemente inexplicáveis acontecerão no que parecia ser uma cidade tranqui...