Graciosas e finas falanges percorriam o que, para a mente, equivalia a uma fornada de pães frescos, prontos para serem consumidos e satisfazerem a fome de saber. Por ora, a curiosidade era mais que um ligeiro incômodo ao estômago de Alice: o conhecido formigamento avisava-lhe que a ansiedade aflorava em seu interior, e só seria sanada por uma bela dose de conhecimento.
Envolta e protegida do Sol sob o anel de falsa prata, a camada de pele tornara-se mais clara que a exposta, e seu adorno reluzia ao movimento do anelar sobre um dos exemplares que Savannah selecionara na Biblioteca, alegando comporem parte do novo material "escolar" de Saint-Marie.
Dentre alguns volumes que pareciam tratar-se de defesa, ataque, levitação e poções mágicas, o olhar da garota foi atraído para o que parecia ser um livro didático de colegial com capa escrita à mão, nada mais, nada menos. As pequenas letras garrafais escritas em itálico pareciam-lhe obras de uma caneta-tinteiro falha, diziam: Animais Fantásticos, e apenas. Em um vislumbre pelo sumário, encontrou o primeiro capítulo, que parecia explicar como mascotes deveriam ser escolhidos, trazendo uma série de nomes científicos que terminavam na página quarenta e seis. Ponderou sobre o assunto, refletindo por que motivo ninguém informara que ela poderia ter um "bichinho de estimação".
Sempre perturbara a mãe com intermináveis pedidos por um cão, chinchila ou até mesmo um peixe, mas sempre recebera negações. Chegou ao ponto de dormir embaixo da mesa da sala de estar e lavado as bolsas dos olhos e bochechas com água salgada para a mãe sensibilizar-se com a "tristeza" da filha, mas esquecera a vasilha com o conteúdo em seu quarto, fora descoberta e teve um belo castigo por isso. A lembrança fê-la rir, mas o riso logo foi substituído por um silêncio profundo sucedido de um suspiro exacerbado.
Prestes a adentrar em devaneios, a atenção da garota foi atraída por gritos, e só então notou que estava sozinha no quarto. Guardou a dúvida acerca do material em sua mente, saltou da cama, cujas molas estalaram ao serem libertas do peso, e a moça espreguiçou-se assim que os pequenos pés calçaram-se em sapatilhas brancas como a lua, que não é realmente branca, mas seu esplendor naquela noite era digno de uma comparação.
Tomou impulso para correr porta afora, e mãos seguraram-na quando estava prestes a sair, após trombar com uma confusão de macios anéis acobreados.
— Se ela está aqui, quem diabos ele foi encontrar? — perguntou a americana.
Alice espantou-se com o estado de Savannah. Sempre tranquila e quieta e de palavras baixas, encontrava-se agitada, e a voz elevava-se exageradamente alta.
— Eu o vi com um papel na mão, perguntei onde ia e ele deu a entender que ia encontrar a Ally.
Ambas encararam a novata, parecendo esperar uma resposta ao analisá-la da cabeça aos pés. Novamente sentia-se como uma intrusa, e temeu nunca passar disso, além de talvez não ser tão boa como todos esperavam que a filha da fundadora-mor fosse. Não que ela entendesse o que tudo aquilo significava.
O peito da belorizontina foi atingido por uma avalanche. Congelando de dentro para fora, não sabia o que fazer. Um turbilhão de pensamentos sem nexo bailavam por sua mente enquanto seu exterior era analisado como se um animal de circo fosse, incapaz de fazer o que esperavam de si.
Imaginava mil e uma situações acerca do que acontecia nos limites do terreno, mas, assim que a preocupação e adrenalina fundiram-se em uma crise de pânico e, nesse ínterim*, raios irromperam por sua mente jovial, a alma da mineira descongelou e sentiu o corpo mover-se com dificuldade.
Os músculos, doloridos em virtude da fuga no colégio, latejavam suavemente, a cada passo largo e desajeitado. Não poderia ser considerado uma conjugação do verbo "correr", pois assemelhava-se mais a uma gazela gemendo de dor enquanto esbarrava em paredes, movimento que fazia as pequenas protuberâncias em sua caixa torácica saltarem pela regata compassadamente.
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The Dark Crystal
AdventureAlice vivia com o padrasto em um bairro na zona sul de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, até que, em seu aniversário de dezesseis anos, foi forçada à fugir. Eventos aparentemente inexplicáveis acontecerão no que parecia ser uma cidade tranqui...