Capítulo 7 - O Bilhete

499 95 391
                                    

  Leo bem sabia que a amiga não o compreenderia facilmente. Assim que entrou no grande salão, seu olhar procurou-a. Pensava não ter esperanças acerca de um possível perdão por parte da novata, mas assim que encontrou as pequenas íris cor-de-mel, concluiu que talvez não conhecia-se o suficiente.

  Testa enrugada, lábios comprimidos e respiração pesada denotavam a raiva apoderando-se de Alice. A expressão na outrora delicada face da vizinha cedera lugar a que a mesma assumia quando era obrigada a sair com a nova "amiga" de Arthur. Não admitia ser enganada, Sampaio o sabia desde que conheceram-se e ela descobrira que sua idade não era a que ele dizia ter. No ano anterior, entrou em choque ao sentir seu mundo desmoronar. Tentou de todas as maneiras possíveis esclarecer tudo à colega de classe, mas fora impedidos vez após outra, seja por hipnose ou ameaças. Os sonhos eram a pior parte. A gárgula, apesar de protetora e gentil na maior parte do tempo, induzira-o a ter pesadelos nos quais Saint-Marie era frequentemente torturada e morta por seus inimigos.

  Savannah desvencilhou-se do amigo e saltitou até Alice, alheia ao que se passava entre seus amigos, e abraçou-a, a tez* achocolatada e cabelos pretos anelados encobrindo a visão da novata. A mente do rapaz instruia-o a abandonar o local, mas suas pernas guiaram-no à mesa dos Iluminíades, cumprimentando Diana e Lucas com abraços.

  — Oi, Ali...ce — as palavras saltaram de sua boca, aterrissando nos ouvidos da moça.

  Após sobressaltar-se, aparentemente surpresa por tamanha ousadia, a garota limitou-se a sorrir. Fitou-o por alguns segundos, centrou sua atenção no prato vazio e pediu licença, retirando-se com o objeto na direção da bancada.

  — Você falou para ela? — Leonardo indagou Diana, que confirmou com um meneio — Ela não vai me perdoar.

  A Líder estalou os dedos frente ao rosto de seu interlocutor.

  — Acorda, Leo! — gritou, logo em seguida baixando o tom de suas palavras — Olha quanta informação ela recebeu desde ontem! Você ficou bem pior, ou não se lembra? — sua voz era bela, tornando quase impossível não depositar toda a atenção possível no que dizia — Ela precisa de um tempo para assimilar tudo. Fique tranquilo, Savannah e eu o ajudaremos. Enquanto isso, não force a barra.

  As forças do protetor esvairam-se assim que a moça retornou e sentou-se de costas para ele, em sua frente. Uma mão dirigiu-se ao ombro desta, mas impediu-se no último instante e, após uma meia-volta marcial, deixou-os para trás, dirigindo-se ao dormitório em que passava os fins de semana e feriados, escondido de Alice sob a mentira de que viajava para ver a família da mãe.

  Entrou e adormeceu poucos minutos depois de permanecer encarando o teto.

  Tudo ao seu redor era de um verde enegrecido pelo céu sem estrelas, silhuetas escuras mexiam-se levemente, os topos cobertos por uma fina película prateada sob a luz do luar.

  Os olhos do rapaz acostumaram-se com a escuridão e logo distinguiram grandes árvores coníferas e, em um vislumbre, folhas e pedras sob seus pés. Tateou seu corpo e percebeu uma corrente em seu pescoço, além de cortes nos braços, rosto e pés descalços. Um ruído agudo adentrou os ouvidos e ribombeou seus tímpanos, assim como um calafrio que percorreu seu corpo em direção ao pescoço, arrepiando-o. O som foi repetido atrás dele, em coro. Uma matilha. Suas pernas moveram-se, correndo. Ele não podia morrer. Folhas pontiagudas cortavam suas bochechas, então protegeu o rosto com os braços, mas pouco tempo depois o chão esvaiu-se como uma nuvem assim que pisou-o.

  E caiu.

  Seus dedos agarravam-se às pedras que circundavam o fosso, sangrando. O silêncio preencheu o ar, como se toda a floresta prendesse a respiração. Bater de asas seguidos de gasnidos  levantam voo, e ele soube que era seu fim assim que um par de olhos amarelos fitavam-no da escuridão, acima de si. Pensou em soltar-se e lutar com o animal no fundo, mas assim que olhou para baixo, um lobo de olhos azuis rosnou, mostrando os dentes brancos. Seus dedos escorregavam nas pedras, cobertos de suor escarlate. Fechou os olhos, sentindo que não aguentaria muito tempo. Quinze segundos, talvez.

The Dark CrystalOnde histórias criam vida. Descubra agora