A perplexidade tomou conta de Alice. Tudo encaixava-se, mas a cada esclarecimento de Freud, mais perguntas surgiam na mente da garota.
Encostou-se nas pesadas portas de madeira da grande biblioteca, segurava as maçanetas com força, os braços atrás de si. Talvez pensasse que, ao bloquear a passagem, seus temores ficariam presos naquele lugar esplêndido. Os olhos castanhos lacrimejavam.
— Você está bem? — os olhos verdes a observavam, o corpo contra a parede paralela à Saint-Marie.
O garoto loiro vestia calças jeans como todos os adolescentes no refeitório, além de uma camisa azul clara e tênis surrados. O rosto possuía feições bem demarcadas: queixo levemente quadrado, olhos de corça e corte de cabelo militar, aparência contrariada por seu olhar tranquilo, que pareciam incrivelmente familiares à Saint-Marie. Esperava uma resposta.
— Sim, obrigada — a moça enxugou as lágrimas do rosto com o dorso da mão direita.
Duas pequenas íris verdes pairavam sobre ela, ponderando.
— Ouvi dizerem que você chegou — disse, sem rodeios — Sua mãe foi muito poderosa. Você é mais forte do que pensa, menina.
Quem ele pensa que é? A garota irritou-se ao ser chamada assim. Seu interlocutor não parecia tão mais velho que ela, e provavelmente nem sabia sua idade.
O jovem sobrassaltou-se, repentinamente, parecendo lembrar-se de algo.
— Desculpe, não me apresentei — sorriu e esticou a mão ao aproximar-se. Alguns dentes afiados destacavam-se em sua boca, como que quebrados após uma briga. Parecia envergonhado — Sou o Lima.
O aperto de mão foi retribuído, apesar de constrangido. O garoto apoiou a mão na porta e percebeu que a novata bloqueava-a.
— Posso? — perguntou, a calmaria de sua voz atingindo a moça, que afastou-se da entrada.
Lima adentrou no recinto, possibilitando a Alice um vislumbre do professor pondo-se em pé e abrindo os braços em uma saudação amistosa. Um tilintar ansioso foi abafado pelo baque da porta.
Alice percorreu o caminho de volta até o refeitório, faminta. Passou por um lance de escadas até atingir seu destino. Respirou fundo ao empurrar as pesadas portas duplas.
Todos encararam-na. As conversas cessaram-se por uma fração de segundo. Alguns disfarçavam e outros simplesmente seguiam-na com olhos atentos, como águias prontas para rasgar um roedor. Ela realmente sentia-se como um rato, um intruso indesejável a uma ação de ser expulso a vassouradas e gritos.
Uma garota esguia surgiu a seu lado e guiou-a pelo braço até a mesa onde um grupo de adolescentes conversava agitadamente, em meio à gargalhadas. O garoto de cabelos platinados sorriu para Alice, apresentando-se como Lucas, os outros seguiram seu exemplo e em pouco tempo a moça conhecia vários nomes, alguns proferidos com sotaques diferentes.
Alta e magra, aquela que a dirigira até o grupo parecia saída de uma capa de revista. Sua pele clara era revestida por pequenos pigmentos ferruginosos, assim como as maçãs do rosto, que emolduravam um belo sorriso. Uma cascata de cachos acobreados caía-lhe pelos ombros, esmorecendo na altura da cintura. Os olhos oscilavam entre folhas de outono e um verde primaveril, sem perder o brilho amoroso. Alice não deixou de notar que a blusa e brincos perolados resplandeciam, indicando a posição de Líder. Puxou-lhe a cadeira vazia e, tamborilando as longas unhas pintadas de branco pela superfície metálica, sorriu.
— Prazer, sou Diana.
A ruiva explicou ser líder dos Iluminíades, que aparentemente abrangia todos os adolescentes que com ela almoçava. Alice notou que a posição que ocupavam era a primeira de uma das quatro filas, o que deveria ser um destaque importante.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Dark Crystal
AventuraAlice vivia com o padrasto em um bairro na zona sul de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, até que, em seu aniversário de dezesseis anos, foi forçada à fugir. Eventos aparentemente inexplicáveis acontecerão no que parecia ser uma cidade tranqui...