DEZOITO DE OUTUBRO: EU E MEUS CORTES

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   Cortes. Sempre na horizontal porque me sinto fraco demais para fazer isso na vertical e acabar com tudo isso de uma vez, e não, eu não estou sendo dramático ou querendo chamar a atenção de alguém, até porque, se você estiver lendo esse diário, isso só pode significar duas coisas, a primeira é: Eu morri, e a Segunda: Você encontrou ele.

Eu me pergunto como isso aconteceu, responda em voz alta e talvez eu consiga ouvir daqui do inferno quem lhe passou o meu infeliz diário onde eu conto em poucas páginas os dias mais infelizes da minha vida que me levaram a cometer o que cometi, eu não me arrependo de ter feito o que fiz, eu estava determinado a isso.

Espera um pouco, eu já não sei como escrever, devo escrever antes de cometer ou cometer para depois escrever? Eu não sei, acho que apenas vou escrever e deixar aqui, registrado nessas páginas com lágrimas e gotas de sangue que escorrem dos meus pulsos e se misturam com a tinta preta da caneta.

Talvez eu esteja começando isso com "eu" demais, isso se torna chato? Não me importo, eu já estou morto mesmo, você não vai conseguir me impedir, não vai conseguir me trazer de volta e você que está lendo isso aqui, sequer vai se importar depois, porque é assim, as pessoas fingem se importar com a sua dor, elas fingem segurar o fardo com você mas quando ele fica pesado demais, elas fogem e você, incapaz de suportar e esperançoso demais, acaba se afundando, se quebrando ou pegando fogo na escuridão de confiar em alguém que nunca esteve te amando ou te apoiando de verdade.

Tudo bem, eu vou parar de enrolar e contar o que aconteceu.

No dia dezessete de outubro eu tive mais um dia de aula comum em minha escola comum onde eu só tinha uma melhor amiga, a Amberly. Ela se tornou extremamente popular com o passar dos anos enquanto eu só fui me apagando ainda mais, o que era quase impossível já que eu nunca estive aceso para perder o brilho que nunca foi meu.

O que acontece é que a Amberly nunca desistiu de mim, mesmo tendo milhares de outros amigos e sempre estar sendo convidada para as melhores festas e coisas do tipo, ela sempre esteve aqui para o que eu precisasse e eu preciso agradece-la por isso, Amberly, se você estiver lendo isso, eu te amarei aqui na eternidade, obrigado, não foi culpa sua.

Estávamos na época final das aulas e o assunto era o baile de formatura, naquele dia eu estava esperando alguém chegar em mim para me convidar, elas nunca me convidavam, e eu não sabia o que tinha de errado comigo.

Eu não era feio, sequer era considerado feio, eu não tinha nenhum daqueles problemas que os adolescentes normalmente tem e isso faz eles serem excluídos da sociedade colegial, eu não era assim, eu era apenas o Aul, ou Gus, como você preferir.

— Convide uma garota. — disse Amberly enquanto tragava o seu cigarro e soltava a fumaça logo em seguida. — Quem é a louca que vai recusar fazer isso com você, Augustus? Você é divertido, certamente uma pessoa está esperando um convite por aí. — e então ela pisca para mim e mata o cigarro, deixando-o jogado ali no chão do refeitório onde ninguém se importa com a total higiene, nem mesmo o diretor que já foi visto fumando maconha em seus dias de folga.

— Elas sempre recusam, Am. — e voltamos para aquele assunto enquanto eu me questiono se devo ou não comer o sanduíche de peito de peru com geleia de morango e pedaços de frango que a minha mãe insiste em preparar. — Eu queria ser como você, tão livre e cheio de amigos.

— Não, você não queria, Gus. — ela rebate. — Eu posso ter milhares de amigos, mas só você é o verdadeiro, eles só se importam comigo quando eu estou bêbada para caralho e chapada demais para aceitar qualquer coisa que eles sugerirem, seja roubar uma pequena loja de conveniências ou foder no banco traseiro de um carro, não queira isso pra sua vida.

E sendo encorajado pela Amberly, eu procurei uma garota para convidar para o baile, eu, que sempre fui envergonhado e sempre tive problemas de comunicação com as outras pessoas, eu fiz. E eu me arrependo.

— Amanda? — eu chamei pela garota de cabelos verdes e enrolados que estava de costas, em sua roda de amigas. — Amanda? — eu chamei novamente após ela me ignorar ou não ter ouvido.

— Augustus? — disse após se virar para mim sem expressão alguma em seu rosto. — Está precisando de alguma coisa? Sabe que eu não copio as atividades de biologia avançada.

— Ahn.. não.. — e então a minha língua embola, como sempre. — Eu queria.. é.. talvez eu queira perguntar se..

 — Não, Augustus. — ela me interrompe. — Por que eu aceitaria ir para o baile com você sendo que o colégio é cheio de jogadores do time de basquete e isso é bem mais excitante? Me perdoe por isso, eu acredito em seu gostar, mas ele não é reciproco.

E então ela me dá as costas e sequer espera que eu saia dali para a risada com as suas amigas começarem. Você sim, Amanda, teve uma parcial de culpa nisso, mas fique tranquila, o pior ainda está por vir.

Cortes. Horizontal.

A gillette fria contra a pele branca do meu pulso que já não tem lugar para sangrar, fundo. Sangue vermelho, páginas brancas. Lágrimas, caneta em tinta preta, visão embaçada. Eu deveria ter desistido de início, mas quis ser tolo continuando.

E esse foi o dia Dezessete e Dezoito de Outubro. 

O Diário da Minha MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora