12 - Reviravoltas

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"Abandonada por você
Tenho tentado te esquecer
No fim da tarde uma paixão
No fim da noite uma ilusão
No fim de tudo a solidão
Apaixonada por você
Tenho tentado não sofrer
Lendo antigas poesias
Rindo em novas companhias
E chorando por você.

Mas você não vem
Nem leva com você
Toda essa saudade
Nem sei mais de mim
Onde vou assim
Fugindo da verdade
Abandonada por você
Apaixonada por você
Sem outro porto ou outro cais
Sobrevivendo aos temporais
Essa paixão ainda me guia."

Por um minuto que parecia durar horas, esqueci quem eu era e o que eu estava fazendo. Nada mais parecia importar. Eu juro que naquela fração de segundos em que olhei profundamente naqueles olhos marejados, eu via verdade, como sempre admirei. Parecia transparente. Uma pena que ele havia mentido pra mim. Voltando para a realidade, olhei para aquele homem à minha frente que pela primeira vez me parecia um desconhecido. Eu não estava conseguindo suportar aquele turbilhão de sentimentos, só queria que tudo parasse. Então tomei uma decisão: olhei para ele e a única coisa que eu consegui murmurar foi um "me perdoa" e desci correndo para fora do estabelecimento. Quando olhei, já estava no meio da rua, perdida em olhares turvos, provavelmente preocupados, dos transeuntes e de algumas pessoas que estavam à porta do bar.

Por quê tudo tinha de ser assim? Por que ele tem de mexer tanto comigo?

Sentei em um banco do outro lado, procurando respostas que não vinham. Segundos depois, Ramón havia chegado e sentado a meu lado. A dor no peito estava tão grande que não aguentei e chorei. Ele me ofereceu o ombro, visivelmente abalado. Em meio à melancolia, ele olhou para mim e me fez responder àquela pergunta que eu queria negar a mim mesma.

Ramón: Você o ama, não é? Mais do que já me amou um dia?

Não restavam mais dúvidas. Era isso. Não poderia estar mais claro. O problema é que eu demorei tanto pra perceber e precisei ouvir isso de quem eu menos esperava. Sei que a resposta iria doer em nós dois, mas foi o maior alívio que me lembrava ter nestes últimos dias. Então afirmei com a cabeça. Sim, eu amava Marcos Pitombo, ou melhor, ainda amo apesar de tudo o que está acontecendo. Era um amor maior do que eu, mais do que a minha sanidade. Porém eu precisava esquecer, seguir minha vida, já que o destino tratou de não nos querer juntos. Então naquela noite tomei uma decisão radical. Segurei na mão do Ramón, meio incerta, mas convicta (sim, eu estava mais confusa do que me lembrava) e, olhando nos olhos, afirmei que gostaria de retomar nosso compromisso e nos casar o quanto antes, caso ele ainda quisesse. Logo sua expressão mudou e ele corou. Estava feliz. Como retribuição, me deu um beijo e me levou para casa. Naquela noite, pedi para dormir sozinha, já que tinha sido daquelas e só queria ocupar todo o espaço da cama. Contente como estava, concordou. Mas antes de se virar e ir embora, sugeriu que nos casássemos daqui dois meses. Topei. Então foi embora, saltitante. Fechei a porta e fiquei encarando o vazio da sala de estar. Agora não tem como me arrepender. É um caminho sem volta, mas necessário.

Eu preciso esquecê-lo. Nem que seja pra que uma pessoa nessa história seja feliz. E nesse momento, sinceramente, eu não sou.

Dois meses se passaram e eu estava ali na sala, sentada e sozinha, endereçando os convites para o casamento que seria nos próximos dias. Como a maioria sabia da data há dias, não era necessário enviá-los com muita antecedência. Pouco a pouco estava voltando a me acostumar com a vida que sempre levei durante quase seis anos, na carreira que escolhi e rodeada por parentes e amigos que me amam muito. Sem muitas surpresas e com a famosa comodidade. Estava tudo bem. Algumas horas depois, percebi que havia enfim terminado. Conferi a lista e era isso mesmo. Mas havia sobrado um convite em cima da pequena mesa. Depois de muito pensar, resolvi endereçá-lo a uma pessoa em especial. Inclusive mandaria por Sedex para chegar o mais rápido possível. Confesso que a expectativa estava alta e o coração, apertado.

Remetente: Sabrina Petraglia BalsalobreDestinatário: Marcos Menezes Magalhães Pitombo
Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Agora é só esperar para ver.

O grande dia chegou. Cabelo e maquiagem feitos, vestido ajustado, coroa posta. Tudo pronto. Era a primeira vez que eu me vestia de noiva desde que interpretei a Shirlei. Era surreal. Estava nervosa com tudo, ansiosa e cheia de expectatiiva, só tinha um problema: meu coração estava apertado e odiava saber o porquê. Tentei ignorar essa sensação lembrando desses dois meses, de como o Ramón se esforçou para me reconquistar. Tava quase lá, mas a única coisa que ele não conseguiu trazer de volta e que torcia para que depois de casados voltasse para mim era o brilho no ar e a pequena taquicardia que batia só com um encontro. Mas estava voltando a gostar dele, pouco a pouco. Ele merecia o melhor de mim, até porque nunca me enganou ou usou alguém para se satisfazer, ou pior, brincou e machucou os sentimentos de uma pessoa.

Todos já estavam na igreja, somente esperando a marcha nupicial tocar. Meu pai entrou no cômodo onde estava para que ele pudesse me levar ao altar. Emocionado, repetiu incessantemente que eu estava linda, que me amava e que eu fosse feliz. Mas o semblante feliz cedeu lugar à uma expressão preocupada, logo em seguida.

Pai: Sá, meu amor, te vejo contente, mas você não tá feliz. Algo te aflige, minha filha?

Para não deixá-lo preocupado, disse que era só o nervosismo costumeiro de noiva. Ele afirmou com a cabeça, como se tivesse aprovado a resposta, e sorriu, já me dando o braço. Íamos já saindo para a porta da igreja, quando uma gritaria começou a ecoar de dentro do local. Meu pai saiu disparado, me impedindo de acompanhá-lo para ver o que se passava. A voz que gritava mais alto que todas em meio ao bochicho era familiar demais para ser ignorada.

Marcos. Ele estava aqui, recebeu o convite. Mas o que era esse escândalo?

Não me contive e saí correndo para a porta da igreja. A confusão já estava tão instaurada que ninguém reparou que a noiva estava lá. Antes de eu esboçar qualquer coisa, só vi ele falando em alto e bom tom a seguinte frase: "Você não tinha o direito de fazer o que fez! De destruir minha vida e me separar do amor da minha vida. Da minha Sabrina!", e em seguida, socando a face de Ramón com força. Meu irmão se intrometeu para apartar a confusão e evitar piorar ainda mais a situação. Aí não aguentei e corri para o altar, olhando para os dois fixamente e um pouco chocada.

"O que está acontecendo aqui? Do que ele tá falando, Ramón? Me esclarece."

Crônicas de um casal de amigosOnde histórias criam vida. Descubra agora