CAPÍTULO 20-O CONSELHO DA SENHORA SMITH

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Em seu pequeno apartamento no Bronx, M.J. não conseguia entender como um armário “de bagunça” tão minúsculo como o dele podia caber tantas coisas. Estava há quase dez minutos tentando achar a mala Sansonite que havia prometido emprestar para Aaron, mas até aquele momento só tinha encontrado muita tranqueira velha e um troféu antigo de futebol que, por azar, havia caído na sua cabeça fazendo na mesma hora um grande galo.

   Enquanto isso, Aaron distraía-se jogando Guitar Hero no XBOX de M.J. Apesar de já ter zerado aquele jogo umas mil vezes em seu “finado” Playstation que fora destruído na explosão do apartamento, ele sabia que ocupando a mente o máximo possível não daria chance de seu cérebro pensar em Mel e muito menos em desistir da viagem.

   -Pronto, “tá” aqui! – disse M.J., entrando no quarto com a mala na mão direita e uma certa vermelhidão no lado esquerdo da testa.

   -Pensei que você tinha se perdido dentro do armário. – debochou Aaron, colocando o controle-guitarra do XBOX em cima da escrivaninha do amigo.

   Marvin sorriu apesar da dor de cabeça que sentia e jogou a mala em cima da cama. Aproximando-se dela, Aaron examinou-a um pouco e constatou que estava mesmo em bom estado como o amigo dissera.

   -Cara, você tem certeza de que quer isso? – perguntou M.J., sentando-se na cadeira diante de sua escrivaninha.

   -Claro. Ela é pequena, mas eu também não tenho tantas roupas assim pra levar. Vai servir.

   -Não finja que não me entendeu, eu “tô” falando da viagem. Você quer mesmo se afastar da Mel?

   Surpreso pela pergunta, Aaron desviou os olhos de onde M.J. estava e, sentando-se na cama dele, pôs-se a olhar fixamente para o pôster do Millencolin que decorava como tantos outros a parede daquele pequeno quarto.

   -Não, não quero. –respondeu ele com o olhar vago. – Mas é melhor assim.

   O tom de voz com que Aaron havia dito aquelas palavras fez M.J. ter certeza pela primeira vez que o amigo não desistiria da viagem. A expressão no rosto de Aaron tinha agora uma mistura de melancolia e determinação.

   -Bem, você já sabe a minha opinião sobre isso. – respondeu Marvin.

   -Que eu sou um idiota? É, eu sei. Mas agora não dá mais pra voltar atrás. Já está tudo formalizado com o Conservatório Schubert e o meu voo sai manhã.

   Do lado de fora do quarto, passos rápidos repercutiram pelo corredor apertado do apartamento. A cabeça rosada e oval da senhora Smith então surgiu de forma repentina pela pequena fresta da porta entreaberta.

   -Olá, crianças, quem quer um lanchinho? – perguntou ela trazendo nas mãos uma bandeja com dois deliciosos pedaços de torta de maçã enquanto empurrava a porta com o quadril.

   -Mãe, eu já disse pra você sempre bater antes! Que saco! – reclamou M.J. levantando-se da cadeira e cruzando os braços.

   Mas a senhora Smith pareceu não dar ouvidos ao filho.

   -Torta, Aaron?

   -Acho que nem preciso dizer a resposta. – sorriu o garoto, pegando um dos pratos e enfiando logo uma boa garfada da sobremesa na boca.

   Marvin, que ainda exibia uma cara “amarrada” para a mãe sentiu seu estômago ronronar e, vencido pela fome, acabou avançando sobre a torta do mesmo modo que o amigo fizera.

   -E então, meninos, do que falavam? – perguntou a senhora Smith, colocando as mãos no bolso de seu avental berrante de girassóis que destacava ainda mais seu corpo roliço.

   -Ah, mãe! – protestou M.J. com a boca cheia de torta.

   -Na verdade, senhora Smith, só de algumas coisas que talvez eu perca quando for pra Califórnia...

   -Ah, mas se está falando delas de certo não está querendo perdê-las, não é?

   Aaron concordou fazendo um “sim” quase que imperceptível com a cabeça. Por alguns instantes, achou que ambos estavam falando sobre a mesma coisa, ou seja, Mel, mas logo aquele pensamento sumiu de sua mente. Era muito improvável que M.J. tivesse contado alguma conversa deles para a mãe.

   -Então vou lhe dar um conselho, filho. – disse ela, pegando a bandeja e posicionando-se perto da porta como se estivesse prestes a sair. – Como o sábio John Lennon disse uma vez “é preciso deixar livre as coisas que se ama, se elas voltarem é porque você a conquistou, se não voltarem é porque você nunca as possuiu de fato”.

    Após dizer isso, a senhora Smith lançou um sorriso para Aaron e saiu do quarto devagar, voltando para a cozinha onde a irmã mais nova de M.J. devorava o resto da torta de maçã. Sem querer a mãe do amigo havia lhe dado um fluxo novo de esperança com aquelas palavras e Aaron silenciosamente a agradeceu por isso.

Uma Garota em Nova York (Livro Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora