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ERA UM LUGAR de corpos frios e duros ossos. Estava escuro, silencioso e não havia guardas. Eu sentia minha dominação sobre Elizabeth cada vez mais fraca, mas a necessidade me dava forças. Uma força que cobrava seu preço. No Poe Museum, minha moldura original começava a rachar; o cristal trincava pouco a pouco e a imagem perdia lentamente sua nitidez.

— Por que paramos em frente a um cemitério? — Perguntou-me o tolo do reverendo.

— Porque é nele que farei minha missa — disse a ele, que pouco pareceu compreender, já que estava quase em coma alcoólico. Levaria só mais alguns minutos para que perdesse o pouco que lhe restava de consciência. Mas não levou nem mesmo isso. Logo que falou, Green perdeu os sentidos e em segundos vi sua cabeça cair sobre o banco do Roadster.

Observei seu semblante sombrio e idiota. Suor escorria por seu corpo — o calor do desejo é muito forte — e ele parecia, diante de meu olhar, um demônio sonhando. Um demônio que eu mesmo mandaria de volta ao inferno. O que era, inclusive, bem irônico. Suportei o melhor que pude seus sorrisos, mas ele não me deu outra escolha senão arrancá-lo de sua face.

Saí do Roadster e tirei Green do automóvel. Ele pesava um pouco — e o hábito de freira muito me atrapalhava —, mas ainda assim consegui arrastá-lo para dentro do enorme cemitério. Por sorte, logo na entrada, avistei uma pá — possivelmente largada lá por algum coveiro bendito. Levei o corpo do reverendo até uma parte bem oculta, escura e distante do cemitério. Deixei-o lá, antes conferindo se ainda estava vivo — e estava, ainda que sua respiração estivesse irregular — e voltei até onde havia deixado a pá.

Peguei o instrumento e caminhei até onde seria a cova de Green, e cavei. Um cavado muito bem feito — usando de toda a raiva e a possessão que nublava os pensamentos racionais de Elizabeth. No final, consegui um buraco pequeno, mas suficiente para acomodar um corpo magro como o do reverendo. Após terminar, conferi novamente se Green estava com vida — e o desgraçado ainda respirava.

Olhei novamente para seu corpo, a centímetros de sua cova, bem no momento em que despertou. Green não demorou para compreender o que estava acontecendo. O reverendo acreditava que Elizabeth estava se vingando pelas noites em que batizava sua santa-ceia e a violentava sem que ela jamais soubesse.

— Não faça isso — ele pediu, ainda sonolento. — Você acha que eu a dopei, mas...

— Você dopou?

— Não.

— Dopou sim.

— Como você sabe?

— Eu sei de tudo. Eu sou o Diabo — Chutei Green e ele gemeu baixo e perdeu a consciência.

Joguei seu corpo no buraco e, sem pensar, comecei minha arte — enchendo o buraco de terra como se pintasse um retrato. Ah, só eu sei o quanto aquilo me agradou. A sensação de ver Green sumir através daquela terra assemelhava-se, a bem da verdade, a provocar todas aquelas mortes em Richmond, e foi tão boa quanto retornar ao retrato mais tarde naquela noite. Nem mesmo fiz uma pausa. Enchi o buraco com a terra com o ímpeto e a felicidade de quem realizava um antigo sonho.

Era meia-noite quando finalmente minha tarefa tinha chegado ao fim. Olhei para o que antes era um buraco. Perfeito, plano e assentado. Bastaria uma chuva mais tarde para que gramíneas começassem a nascer e ocultassem ainda mais meu maravilhoso feito. Era um lugar perfeito! Se a polícia fosse atrás do reverendo, ou qualquer outra pessoa, nunca imaginaria que ele já estava morto e enterrado. Mas não apenas enterrado. Enterrado em um cemitério — um lugar onde ninguém jamais pensou em procurar um corpo desaparecido.

Ah, reverendo Green, você brincou com fogo e sua queimadura foi inevitável.

De volta ao Roadster, verifiquei a avenida, assim como havia verificado o cemitério. Nenhuma pessoa, nenhuma câmera, nenhuma prova. No entanto, quando entrei no carro, considerei mais uma alternativa para meu feito. Ainda era possível lucrar com a morte de Green, para isso bastou-me engatar a primeira marcha e seguir veloz para meu destino.

Cheguei ao Distrito Policia de Richmond sentindo-me cada vez mais fraco — não demoraria para que Elizabeth tomasse de volta seu corpo. Entretanto, quando de frente para o oficial da polícia, com um hábito sujo de terra e um rosto oval, contornado por uma franja que se abria como uma cortina na parte superior da face, não senti fraqueza quando finalmente disse:

— Delegado, eu desejo me confessar.

— Delegado, eu desejo me confessar

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@PedroOliveiraa é um jovem nortista amante da literatura, cinéfilo assumido e escritor de um bocado de coisas. Seus contos já foram publicados em diversas antologias físicas pela Andross Editora. No Wattpad, disponibilizou uma versão estendida do conto "Como Ser Um Bom Amigo", finalista do III Festival de Talentos do Instituto Federal do Tocantins, estado onde ele cresceu e vive atualmente.

As Vozes Que Não Ouvimos (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora