1/1

237 29 41
                                    


31 de outubro de 2015 

 Residência dos Ferraz, Niterói - Rio de Janeiro


TAL QUAL todas as noites, Alberto escovou os dentes perfeitamente alinhados após o banho. O policial estava doido pra se deitar logo, pois tivera um dos turnos mais exaustivos da sua vida, naquele dia de trabalho. Olhava pensativo para seu rosto cansado no espelho, reparando as rugas nos cantos dos olhos claros, quando ouviu o chamado da mulher que mais amava em todo mundo:

— Amor, o jantar está na mesa — A voz fina característica, que conhecia há 20 anos, vinha do andar de baixo.

— Tô indo — gritou de volta antes de tomar mais um gole da água da pia, bochechar e cuspir. Um ruído na barriga o lembrou, imediatamente, de que estava com muita fome.

Trancada no closet, a verdadeira esposa, controlava a respiração e torcia pra que aquilo acabasse logo. Janaína estava tremendo e apertou a mim, seu livro de feitiços, contra o peito, com todas as suas forças. Permanecia de olhos bem fechados, mas sabia que estava sendo observada de perto. Dava pra sentir os hálitos frios e podres bem próximos ao seu rosto.

Agora, como em tantos outros halloweens, era só questão de minutos. Escondeu-se dentro de sua mente e chegou a prender a respiração enquanto esperava. Quase conseguiu esquecer de que havia demônios à sua espreita.

— Ahhhhhhhhh — um terrível grito de horror, vindo lá da cozinha, anunciou o fim de mais um ciclo. A temperatura do ambiente voltou a aumentar e a mulher poderia, finalmente, descer para limpar o estrago. Não importa quantas vezes passasse por aquela situação, ninguém jamais se acostumaria completamente.

 Não importa quantas vezes passasse por aquela situação, ninguém jamais se acostumaria completamente

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

31 de outubro de 1886 - Mucugê - Bahia

Antes de me conhecer, Janaína, que na época se chamava Maria, era a mais bela cabocla de Mucugê, cidade com pouco mais de dez mil habitantes no interior da Bahia. Era de família simples. Descendentes de escravos, recém-libertados, que tentavam sobreviver no mundo cruel que lhes foi entregue. Moravam numa casinha de pau a pique, que fora construída por seus pais assim que receberam a alforria, sete anos antes. Seu pai e irmão mais velho trabalhavam no roçado de cana, enquanto a menina ajudava a mãe na lavagem de roupa. Uma vida dura, mas muito honesta e feliz.

Sua beleza era tamanha e chamava tanta atenção que nem Aldemir, o filho de Seu Tonico, coronel respeitado e temido na região, conseguiu resistir aos seus encantos. A moça tinha apenas 17 anos, mas aprendera todos os truques que podia com a sua mãe. Não se entregaria fácil para qualquer um. Mesmo com as ofertas e galanteios do jovem rapaz, Maria se manteve firme por meses. O que não foi uma tarefa necessariamente simples, pois ela também gostava muito daquele branquinho azedo. Mas se manteve decidida: só se entregaria depois do casamento.

As Vozes Que Não Ouvimos (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora