PRIMEIRA IMPRESSÃO

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Primeiras Impressões

Em movimentos repetitivos meus cabelos se chocavam contra meu rosto e o suor escorria pela minha pele, infiltrando-se na minha boca, onde eu claramente podia sentir seu gosto salgado, enquanto corria incansavelmente contra o rigoroso vento vindo da maré e contra seu movimento de vai e vem, como se tentasse me puxar para as profundezas.

O sol estava se pondo e as nuvens, levando aquele céu alaranjado para longe de mim... Mesmo com a força das águas investindo contra meu corpo, eu continuava correndo. Meu suor e o salgado do mar misturavam-se e eu já não sentia mais meus pés contra a areia, neste momento eu estava focada apenas em pôr pressão na minha mão contra a água.

O sol estava se pondo e as estrelas no céu já começavam a aparecer, enquanto meu corpo se fatigava e a escuridão me envolvia cada vez mais.

E, de repente, eu não conseguia mais respirar. Estava submersa e por mais que eu tentasse nadar, ficava mais evidente que o esforço era inútil. Eu estava com medo, mas não como qualquer pessoa ficaria. O desespero se aprofundava na minha alma, enquanto a vida se esvaía dos meus olhos.

- Adeus... - Uma voz grave penetrava em meus ouvidos.

Todos os dias estão sendo assim. Eu acordo e não consigo saber de onde vem aquela intrigante voz. E volto a sentir o mesmo desespero, com a angústia de tentar saber o que houve.

Joguei o edredom para fora da cama, levantei-me e fui até o banheiro e olhei no espelho. Arrumei-me, desci as escadas e fui até a cozinha para tomar o café da manhã com a minha mãe. Voltei para meu quarto e peguei minha mochila, conferindo se meus livros estavam todos lá e desci novamente as escadas, já com a mochila nas costas, dei um beijo de despedida em minha mãe e saí de casa.

Fui direto para a parada de ônibus, onde esperei cerca de quinze minutos e lá vinha meu carona de todos os dias: um lindo e luxuoso "busão" enferrujado. Entrei e bem lá no fundão do ônibus estava Karen, minha melhor amiga desde o primário, mirando-me com seu olhar de "vamos logo sua preguiçosa". Eu obviamente caminhei em sua direção, enquanto ela rapidamente retirava o livro extremamente grosso de filosofia (o qual eu certamente não leria) para que eu pudesse me sentar no lugar que ela guardava para mim.

- Oi garota! - saudei-a, logo em seguida me jogando sobre o assento descascado.

- Fez o dever de filosofia? - Sem rodeios ela perguntou olhando diretamente em meus olhos e logo percebeu que eu não havia feito.

Prontamente respondi igual a todas as vezes que ela fazia essa tipo de pergunta.

- Pra que forçar minha mente se eu posso pegar tudo de você? - dei de ombros.

- Você está muito mal acostumada, Willy. - Falou enquanto inspirava alto.

- Você criou um monstro, Karen - respondi enquanto balançava meus cabelos.

Seguimos conversando sobre as aulas terrivelmente chatas que iríamos ter ao decorrer do dia e ao perceber que estávamos próximas ao colégio, demos o sinal para descermos naquele ponto.

Ela estava com um moletom cinza, uma calça jeans e tênis de cadarço. Karen não era uma garota divinamente linda, mas com certeza tinha seus atributos. Cabelos encaracolados até os ombros e sua pele era muito branca. Ela usava óculos e seus olhos eram castanhos. Sempre fomos muito próximas até mesmo quando ela teve que ir embora após o nosso 9° ano (falávamos ao telefone praticamente todos os dias). Quando ela voltou, há certa de 13 meses, foi uma tremenda explosão de dramas e choros.

Continuamos em frente e passamos pelo portão principal, onde todos os alunos da escola estavam reunidos, esperando o som da campainha bater e nos avisar que poderíamos entrar para nossas salas. Ficamos próximas à cantina esperando Fredd, o nosso maior nerd e um hacker de primeira linha. Sempre nos questionávamos sobre como ele veio parar e um colégio tão desprezado como o nosso, o cara é simplesmente assustador de tão inteligente e saca muito de computação e ali ele não teria o reconhecimento necessário. Eu só havia passado no último ano graças à sua ajuda: ele facilmente hackeou o sistema e mudou todas minhas notas vermelhas, para grandes e lindos azuis.

Logo o avistamos: alto, branco, magro, usando óculos - sim, mais um que usa - seu cabelo estava todo bagunçado e não era nada novo sobre o sol. Todos os alunos paravam para vê-lo andar, ele era muito alto, cerca de 1,92m e totalmente desajeitado. Com sua companhia tornávamos um grupo invisível e chato.

- Oi, cabo de vassoura! - preciso dizer, que Karen e eu tínhamos uma intimidade bem excêntrica com ele.

Karen riu tão alto que chamou atenção de algumas pessoas que passavam ali próximo e sem se conter Fredd riu junto enquanto eu observava os dois.

Enquanto ele tentava se recompor da crise de risos ele falava:

- Eu odeio vocês duas!

- Que horror, cara. - Rimos todos juntos.

Depois de mais alguns xingamentos, ouvimos o sinal que anunciava que deveríamos ir para sala de aula. E para minha sorte, nós três éramos da mesma turma. Estávamos no 3° ano do ginásio agora.

No primeiro tempo tivemos matemática com Rafael, nosso professor metido a comediante. Sua aula não me importava tanto, aproveitei a oportunidade para pegar o dever de Karen e copiá-lo por completo. No próximo tempo teríamos Filosofia com o professor André. Como será que poderia descrevê-lo? Deixe-me ver: olhos avermelhados e uma expressão sempre cansada, baixa estatura e bem... não a muito o que falar dele.

Antes do final da aula de matemática, Karen chamou minha atenção:

- Não vai fazer totalmente igual ao meu dever, seja a garota inteligente que sei que é e mude algumas coisas ou nós duas podemos nos ferrar muito. - ela deu de ombros e voltou a prestar atenção naqueles problemas de matemática.

- Eu sei, não sou tão idiota, fizemos isso milhões de vezes e nunca deu errado!

Quando estava nas últimas palavras para concluir meu dever, Rafael se despedia da turma como se alguém ligasse para ele.

No intervalo da aula Karen e Fredd se voltaram para mim e disseram quase juntos:

- Precisamos comer - Balancei a cabeça com um sinal de positivo.

- Iria acabar tendo um derrame se ouvisse mais uma piada sem graça do Rafael. - Fredd não gostava muito do nosso professor, que era muito estranho, porém suas notas continuavam altas.

A manhã foi mais ou menos assim, reclamações e assuntos chatos, como sempre. A campainha tocou, quase 13 horas da tarde, quando Karen e eu saímos daquele insuportável colégio juntas e pegamos o mesmo busão para voltar até nossas casas.

Minha casa ficava próximo a umas das avenidas mais movimentadas de Belém "Almirante barroso", nada muito chique, uma casa normal, com uma pintura verde esmaecida, janelas e portas de madeira, com as mesmas características chatas e ordinárias de qualquer outra. Depois de descer do Bus andei mais alguns quarterões ate chegar em minha residencia e saquei minha chave que guardava no bolso maior da minha mochila, entrei e voltei à minha realidade.

- Filha de uma mãe desequilibrada, de personalidade bipolar e alcoólatra, que todo final de semana me apresentava um suposto "novo padrasto". usualmente, minha mãe era exemplar pela manhã (quero dizer, quem sou eu para falar como ela deveria agir comigo para servir de exemplo?).

Ela trabalha nos Recursos Humanos de uma empresa de bebidas, ou seja, o estoque de cachaça em casa nunca fica vazio. Ela deixa o trabalho às 18 horas, mas sempre arranja algo melhor para fazer do que ficar comigo, por exemplo, sair para se embriagar. Em razão disso, o horário que estou acostumada a vê-la é normalmente às 23 horas, em dias "normais" da semana.

Sempre fui muito sozinha, talvez seja por isso que tenho essa minha ligação tão forte com Karen, ela é a única pessoa com quem posso contar em meus momentos mais difíceis.

Fui até a cozinha e fiz ovos mexidos para comer, subi as escadas, fui até o banheiro tomar banho e me arrumei para ficar na sala mofando vendo séries americanas. Nunca fui de sair, sempre gostei dessa minha solidão, cada episódio que via, sempre trocava um mensagens de texto com Karen.

O resto do dia prosseguiu desse mesmo jeito e antes das 22:00h, subi para meu quarto e fui dormir.





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