─ epigraph

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Liberdade; pode ser compreendida sob uma perspectiva que denota a ausência de submissão e de servidão. Sob outra perspectiva, é a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional.

Jane precisava daquilo. Precisava rever Michael Wheeler, seu antigo amigo. Precisava saber como era viver uma vida de verdade. Não suportava mais regras, ter de se manter longe de seus amigos. Dentre eles, Mike era o mais difícil. Havia se cansado do incessante ciclo de tortura em que seus dias se estendiam.

Há sempre um momento em nossas vidas em que estamos cansados. Cansados de responsabilidades, críticas ou apenas existir. Jane tinha de suportar coisas que crianças não devem, como se não a vissem como ela era. Ainda pequena. Mas isso não acontecia com Michael, ele era sempre uma exceção; ele a compreendia.

O Wheeler era sobrecarregado de responsabilidades e sabia reagir a críticas melhor que qualquer um, embora às vezes sentisse como se sua vida fosse um completo vazio. O que ele faria depois de atingir a maioridade? Não queria ser como Ted, um homem apreciador revistas esportivas e trabalhos temporários e, ocasionalmente, não remunerados.

"Não nos vemos há duzentos dias. Mas estou aqui; bem, segura. E eu sinto sua falta, Michael Wheeler - Eleven."

Era o que havia sido escrito em mais uma das cartas recebidas pelo menino, a única coisa capaz de recordá-lo da eletricidade que apenas ela o transmitia; um toque era capaz de formigar até a última célula de seu corpo. Trazia à memória as covinhas que se formavam quando ela sorria, o perfume adocicado que exalava e a segurança que sentia quando a abraçava. Eles eram parte um do outro.

Talvez suas chances ainda não houvessem se esvaído de vez. Talvez em algum momento eles se encontrassem, e talvez um dos planos de Jane fosse bem executado e sucedido, diferentemente de todos até aquele dia já postos em ação. E se Jim Hopper tivesse compaixão por ela, talvez as coisas fossem melhores. Talvez algum dia ele tentasse sentir a solidão que ela sentia.

Por um milagre ele desejaria saber; o tal comissário sequer a permitia observá-lo, mesmo à distância, dizendo que algo tão grande não deveria ser arriscado por algo tão pequeno. Hopper estava errado, talvez em uma escala tão enorme quanto o número de casos que já havia resolvido na nada-pacata cidade de Bloomington.

Pensava que amor de criança era tolo, que não lhes era importante naquela fase da vida. Mas não sabia como eles que amor não se decide quando sentir, que amor não se força e nem se evita. Eles aprenderam tantas coisas juntos, coisas que pessoas levam uma vida para compreender; a principal delas era que, no fim de tudo, nosso propósito é ajudar. Não importa a quem, não importa como. E era isso o que Michael e Jane faziam, não só um ao outro, como também a seus amigos. Juntos, tudo sempre se tornava mais fácil.

Ah, dói ver como tudo é conjugado no passado. Como, tão novos, eles já tinham a certeza de que aqueles dias longínquos e inesquecíveis seriam apenas lembranças prazerosas em suas mentes algum dia. Eles pensavam que, em algum momento, aquilo tudo teria de ser enterrado, abandonado. Mas devido a juventude, ainda não entendiam que amor não se sente em épocas, fases ou momentos. Paixão, sim. É um sentimento que parece incrivelmente real, mas que em algum momento se esvai. Amor é para sempre, paixões são temporárias; se tal palavra de significado quase que inexplicável for conjugada no passado, está incorreta.

E Jane se esforçava para que eles fossem reais. Ela o dava esperanças todas as semanas, às vezes mais de uma vez. Mas em sua nonagésima tentativa de reencontrá-lo, as esperanças da própria menina estavam se esgotando. Jane se considerava uma pessoa ingrata, ainda que pensasse mal sobre as regras do homem que zelava de sua segurança. Eram três regras estúpidas, mas não desnecessárias: 1) não abra as cortinas; 2) destranque a porta apenas ao ouvir a batida secreta; 3) em hipótese alguma saia de casa, especialmente à luz do dia.

505 days ˓ milevenOnde histórias criam vida. Descubra agora