Janeiro de 1986
Em Bloomington, uma das cidades mais enfadonhas de Indiana, tudo era absolutamente genérico. As casas, de mesmo modelo; o clima, sempre frio e nebuloso; a grama, sempre umedecida por gotas de chuva. Mas uma única coisa não se assemelhava às outras; Jane Hopper. Quase que escancarando a porta de seu quarto, ela desceu as escadas e deparou-se com Jim Hopper dançando ao som de uma música aleatória da rádio local; You don't mess around with Jim era seu nome. Cada melodia tocada explodia a cabeça da menina em enxaqueca, como se houvesse passado horas estudando algo implexo. Jane então deixou o casebre, tendo seu humor já não muito animado sendo ainda mais esmorecido ao sentir uma neblina densa resfriar seu corpo, tornando-se vítima de um sentimento estranhamente frequente no mesmo instante, como se não pertencesse àquele lugar. Assentando-se no banco do jardim de sua módica residência, a menina encheu os pulmões de ar, dizendo à si mesma que acalmar-se era extremamente necessário se não desejasse causar problemas como da outra vez em que teve um desentendimento com sua irmã, Sarah. Já equilibrada, ela finalmente se permitiu pensar na nuvem de azar que a perseguia, nos acontecimentos estranhos de todas as noites que havia passado em Bloomington e como certas coisas em sua vida muitas das vezes pareciam não ter nexo. Concentrou-se no silêncio perturbador que dominava tal cidade, ergueu os olhos para o céu cinzento que nunca a abandonava; não havia um mísero dia ensolarado, uma mísera alma rondando as ruas. Era como um reflexo de seu interior; infinitamente vazio, um eco eterno e uma escuridão interminável. Jane se questionava por inúmeros motivos, sabendo que seria como sempre; tudo acabaria com ela rolando por horas e mais horas na cama. Embora aquela estranha marca em seu pulso a entupisse de hipóteses, perguntas e a causasse muitos problemas, havia uma única coisa capaz de intrigá-la mais: o menino que transformava seus pesadelos em sonhos, Michael Wheeler.
E ele, como a tal, a todo momento se perguntava quando despertaria. Os dias do menino não eram mais tão desastrosos, mas ele, além de parecer totalmente deslocado em sua cidade natal, considerava o Baile da Neve um dos momentos mais tristes que já vivera, e aquela tristeza ainda o abalava. Ele passou toda aquela noite sozinho, vendo seus amigos dançando com contentamento; até mesmo Dustin, o qual não se cansava de dizer que bailes e comemorações eram coisas estúpidas e uma perca de tempo, havia arranjado um par e se divertido. Michael prometeu a ela, a Jane, que a levaria para dançar, que teria o mais maravilhoso baile que alguém poderia ter, que seria normal daquela noite em diante. Ele simplesmente não suportava quebrar promessas, principalmente as feitas aos seus amigos, e havia rompido uma que fizera à primeira garota que uma vez já amou. Michael sentia culpa, pensando que podia tê-la salvo se soubesse o que estava de fato acontecendo; mas a questão é que, mesmo contendo tal informação, não havia ninguém capaz de tirá-la de tamanha enrascada. Martin Brenner não a perderia outra vez e, com ela em mãos, o homem pôde concluir seu projeto. Eleven era-lhe inútil, e agora não existia mais. Ela seria para sempre Jane, uma menina de fato nascida em Hawkins, mas que não se lembrava da cidade. Não se recordava de seus amigos, dos momentos e aventuras que haviam vivido juntos. E Mike, ele também nunca havia existido para ela; Jane nunca havia amado alguém.
Cada dia que se passava o matava aos poucos, a todo momento sentia que algo lhe faltava. Era a mesma sensação de não ter mais ar em seus pulmões que havia sentido desde que ela partira. Era inexplicável a saudade que todos sentiam de Jane. Mas seus amigos estavam a esquecendo aos poucos, e incentivavam Michael a fazer o mesmo; com tremenda frequência, diziam que ele deveria desistir de tentar reencontrá-la, perder de vez as esperanças e permitir que ela fosse como todas as suas outras lembranças; vagas. E então, quase como em todos os outros dias em que sentia-se culpado, ele resolveu que se esforçaria mais para abandonar as preocupações que tinha em relação a Jane e o medo que tinha de a substituírem. Michael permitiu que Maxine, agora não mais sendo uma adversária, participasse de seu grupo de amigos nerds. Ele parou de ignorar os que lhe dirigissem mais do que duas palavras, fez novos amigos, manteve os antigos, e até mesmo namorou algumas garotas. Mas, diferentemente do que haviam dito a Michael que sentiria, ele não tinha orgulho de quem era. Bem, de quem se tornou.
— O que há de errado? — perguntou sua mãe, tentando ser gentil como em todas as outras vezes que tiveram conversas como aquela. — Você mentiu para mim, Michael. E eu acreditei que tudo estava bem, que você estava bem. O que há com você? O que está acontecendo?
— Eu estou crescendo. — ciciou, encarando as mãos que mantinha entre suas pernas, farto de tais perguntas. — Tenho dezesseis anos, sou um adolescente; adolescentes fazem bobagens o tempo todo e não precisam dar satisfações sobre elas. É comum, pergunte a sra. Sinclair e você verá.
— O problema não é te ver crescer assim, tão de repente. — a mulher suspirou, demonstrando desapontamento. — É só que... eu não sei, acho que não posso me adaptar a uma versão tão diferente sua. Sinto sua falta, você sabe, sinto falta de como as coisas eram antigamente. De como éramos, de você e Nancy juntos; mesmo que, a cada dez palavras, cinco fossem algum tipo de ofensa, esse silêncio às vezes me é ensurdecedor. Eu sinto falta dos meus filhos, da confiança que tinham em mim, entende?
— Quer saber o que há comigo, o que anda acontecendo e o porquê de eu ter me tornado alguém tão diferente? — ele falou com certa irritação, ciente de que deveria se acalmar antes que fosse tarde demais, mas não o fazendo. — É Jane, e sempre vai ser! Você também não entende, mãe. Não sabe o porquê de eu ter me tornado tão... amargo e realista, talvez? Não importa, o ponto é que conversas assim só me fazem sentir mal, que tudo à minha volta me faz lembrar dela, que meus amigos conseguiram seguir em frente porque estão com pessoas que gostam, talvez até amem, e eu não. Eu não a tenho, e ao que tudo indica nunca irei ter. Jane foi embora, não vou vê-la nunca mais, mas não há como aceitar isso. É difícil para mim; você não entende, Nancy não entende, nenhum dos meus amigos entende, e não espero que entendam. Você tem uma família, Nancy e Jonathan são o mesmo casal enjoativo de sempre, Lucas e Will têm namoradas, e Dustin, Dustin tem quem ele quiser! Estão todos satisfeitos com suas vidas e com quem têm, mas eu não!
— Nada dói mais do que perder um filho. — começou Karen. — Mas vê-lo infeliz e não poder fazer nada além de ouvi-lo não dói menos, Michael. Não há nada de errado em sentir falta de uma garota, principalmente uma como Jane. Ela era especial, eu sei que era. Mas esse também não é o ponto. Você age como... como se estivesse sozinho nesse mundo. E agora está se relacionando com pessoas que são uma péssima influência para você, querido. Troy e James fizeram mau à você, Jane, aos seus amigos.
— Eu sei que fizeram. — respondeu o menino, já não suportando mais ouvi-la, embora soubesse que estava certa. — Mas não fazem mais por minha causa. Eles me ocupam a cabeça, entende? Me mantém ocupados demais para pensar em algo que não seja falsificação de notas ou brincadeiras idiotas, mãe. Eles são os únicos que tiram meus pensamentos de Jane e, mesmo que por alguns minutos, me fazem esquecê-la.
505.
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505 days ˓ mileven
Fanfictionapós dizer um último adeus ao garoto que amava, jane ives começou a coabitar um mocambo puído com o mais importante comissário de indiana. sua mente abalada nunca havia tido pensamentos tão inúteis, levando em conta os problemas irresolutos que poss...