Deixe ela ser trouxa o tempo que quiser

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Olha ela lá, dançando até o chão com o copo na mão e o coração entalado no meio da garganta que sufoca cada tentativa inútil que ela tem de respirar um novo amor. Rebola como se o mundo fosse acabar antes da meia noite, se perde na música alta que invade seu corpo tentando encontrar em que lugar tudo saiu do lugar. Ela não sabe, ninguém sabe. Retoca o batom em frente ao espelho fingindo que acredita naquela mulher forte que pinta pra vida, mesmo sabendo que ninguém mais bota fé no seu personagem, esconde com a maquiagem forte os hematomas que carrega no peito e bebe mais do que deve pra ver se cria coragem de fazer o que não deve.

No meio da pista de dança ela engasga com os olhares que esperam pelo seu próximo vexame. Todo mundo sabe que no final da noite a máscara cai e ela chora sentada no canto do banheiro, enquanto burburinhos conspiram que ela não devia ser tão trouxa, é bonita demais, alguns dizem, precisa aprender a seguir em frente, outros afirmam, mas ela nem liga. Seca o olho borrado de rímel azul e coloca pra dentro mais duas doses de vodka que chutam pra fora o seu orgulho. E lá vai ela com o celular no ouvido e o álcool no comando, manda mensagens, deixa recado na caixa postal, implora mais uma chance e vocifera aos quatro cantos que não é justo, não com ela, não com tanto amor, não depois de ter feito fundos e mundos pra que desse certo.

Enquanto vomita todo enjoo que amarra sua alma, suas amigas pedem pra que ela pause um pouco o espetáculo. Tá todo mundo olhando, tá ficando feio. Perdeu a linha, mais uma vez, e tá jogada no meio da balada sem saber como se reerguer. Coitada, pensam, devia ter ficado em casa afogando as mágoas em um pote de sorvete de creme, mas quem disse? Quem falou que é pecado ser trouxa em público? Deixem que ela chore, grite, exponha toda dor que a impede de ficar em pé sem precisar do apoio de ninguém. Deixem que lá vá atrás e quebre a cara mais vinte vezes se for preciso e mais vinte se assim quiser. Deixem que ela sofra e cultive essa falsa esperança nessa história que acabou e ligue descontroladamente pro carinha que até já bloqueou seu número. Deixem que ela seja trouxa sim, que mal há nisso?

Deixem ela em paz, porque uma hora ela acorda e percebe que tá sendo ridícula e que tá servindo de assunto pra muita gente que não tem o que fazer. Deixem que ela vai se tocar sozinha que consegue coisa melhor e que o mundo é muito grande pra morrer de amor por quem não vale a nossa dor, deixem que ela se cura, se trata e se ajuda sem que ninguém precise fazer nada. Deixem que ela se canse de uma vez, porque sofrer em doses homeopáticas é bem pior, porque chorar em cima de um prato de brigadeiro saiu de moda. Ela vai ser trouxa até se dar conta que pode ser muito mais, então deixem que ela descubra sozinha que o amor que ela tanto bate a cabeça procurando tá dentro dela mesma, deixem que ela vai esbarrar, numa dessas madrugadas tempestivas trancafiada dentro de um banheiro embalada por uma música eletrônica, com o seu verdadeiro amor: aquele que ela ainda não consegue ver sempre que olha no espelho.

O Verão Em Que Tudo Mudou 2Onde histórias criam vida. Descubra agora