Identidade

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Gxxx acordou com o barulho áspero de ferro raspando.

Obras?

Sentia a cabeça pesada, foi levantar os braços... Preso e tilintar de correntes... Estava deitado, estirado por correntes. Via um teto... várias vigas... segurando correntes... grossas e menos grossas, compridas, enroladas, parte pendente,  ponta com grilhões... ganchos... Isso não era bom.

Tentou rodar os punhos... algo largo, frio e rígido enlaçava seus punhos. Arriscou olhar... O fundo sonoro de ferro limando perturbava... Algemado com grilhões enferrujados... Dai que era o cheiro de ferrugem, aquelas manchas...

Negação. Nada mais. Sabia muito bem de onde e o que eram.

Estava acompanhado... Arrumava péssimas companhias! Quem era, agora? Estava de costas... Eram largas dentro de uma camisa laranja desbotada...! Percebeu um movimento de quadril... Bombeando, pedalando?... Barulho de ferro... Faíscas! Esticou mais o pescoço. Tentou erguer mais a cabeça, o peito. Puxou uma das correntes... os elos bateram.

A figura corpulenta virou meio de lado, sorrindo e com olhos ansiosos, sem parar... voltando a dar-lhe as costas.

Era mesmo o figura atarracado. Era ele quem limava algum ferro, pedalando para rodar a lima... pressionando o metal contra a pedra... faiscando... afiando... afiando o fio da navalha...

Ele não conseguiu ver, mas devia ser navalha. Gostava dessa expressão, gostava de usá-la e gostava de dizer que gostava... Não queria gostar de mais nada...!

Chorar não ia livrá-lo.

Agir e pensar. Não. Pensar e agir.

Começou a procurar nas paredes... A janela sem venezianas, não conseguia enxergar o que tinha fora, apenas via um movimento na escuridão... as roupas no varal de arame farpado. De onde vinha a luz que iluminava o casebre? Não via lâmpadas, mas podia vir dos postes... lá fora... Os pipocos! Tinha alguém lá e estava armado. Se gritasse por socorro... Fogo?... Tarado?... Arriscava a acudirem miliantes... Não. Eram territoriais. Era uma propriedade... deles?... Tarada?... Não ia vir nada que preste! Ao menos conseguia erguer a cabeça e procurar ao redor...

Tentou ver mais do ambiente insalubre.

Um lampião numa mesa tosca de madeira próxima... Estava difícil ver se esticando todo, enxergar o que tinha para o lado da cabeça... da porta da frente. Isso, projetando a janela, daquele lado... A mesa tosca tinha uma cadeira ao lado que combinava. Os punhos ardiam. Precisava entender melhor o mecanismo dessa mesa e seus apetrechos... Como estava preso...

Perícia de local de crime? Que cena, cera era essa? Grilhões?! Ele era a vítima! Tinha que fugir!

Precisava dominar o pesadelo. Era um coma, alucinações...

E se não fosse? Pior! Tinha que fugir.

Aquilo continuava afiando o ferro, o que ia fazer? Matá-lo? Torturá-lo?

Viu as manchas nas paredes. Tentou erguer mais para entender o que seria, se tinha mais alguém lá. Sentia como se tivesse...

Gatilho.

Seu tronco ergueu. Ficou sentado.

Estava numa espécie de mesa que se dobrou com seu movimento. Pôde ver em seus pés... algum espécie de apoio beirando a borda da mesa. Ela devia ficar na vertical... ele ficaria em pé pisando nesse apoio. Seus tornozelos tinham grilhões. Suas coxas tinham aros grossos que as seguravam presas à mesa, afastadas... Estava nu?... Um pano branco de algodão cobria suas partes... com manchas cor ocre. Algo foi limpo com aquilo... Aquela criatura atarracada era ocre... E continuava pedalando a lima!...

Exame de corpo delituoso: ExpurgoOnde histórias criam vida. Descubra agora