entre(nós)

Capítulo 3 - O Píer

Depois de quase um mês enclausurada dentro do ateliê tentando fazer alguma peça, Amara estava na beira de um colapso. Esperava ansiosamente por um milagre e não sabia mais o que fazer. Faltavam meses ainda para sua volta oficial ao mundo da moda, mas nada que saía da cabeça da profissional a fazia ter alguma esperança. 

Kike, que havia se renovado de confiança depois de aparecer no feed da amiga, não se cansava de marcar presença. Apesar de não poder ver ela todos os dias por causa dos treinos, o homem sempre tentava conversar com ela, procurando saber do seu estado e do estado do seu novo trabalho. Chegada a sexta-feira, o jogador estava no vestiário tomando um banho pós-treino e rindo de alguma piada feita por outro jogador. O time iria sair pra comemorar um amistoso ganho daquele mesmo dia contra um time da universidade local, e Kike, apesar de cansado, estava ansioso pra poder descontrair com os colegas.

Saindo do banho e de toalha amarrada na cintura, o homem pega o celular para ver as horas, mas se surpreende com uma mensagem no meio de suas notificações. Rapidamente digita de volta, abrindo um sorriso de orelha a orelha com a resposta vinda depois. 

— Que foi hein Kike? Recebeu oferta de boquete? — Pergunta o treinador, se preparando pra sair do vestiário.

— Não. — Diz Kike, se ofendendo levemente com a pergunta. Não foi a intenção do velho, mas havia problemas demais envolvendo qualquer relacionamento sexual entre Kike e Amara pra conseguir rir da situação.

— O que houve, então? Para de suspense homem! — Retruca ele, rindo.

— Recebi um convite da Amara, só isso. — Responde Kike. A reação do treinador foi de total impacto, parecia que alguém havia dito que ganhara um estoque infinito de bermudas estilosas de tactel - uma de suas maiores paixões. Um silêncio se instalou entre os dois, e todo o resto do time percebeu a mudança. Kike, já borbulhando de ansiedade, pegou suas roupas e se vestiu apressadamente. Se despediu de todos, verificou se não havia esquecido nada e saiu. 

Destrancou o próprio carro, entrou, sentou e respirou fundo. Iria encontrar com sua amiga-recém-feita-ex-melhor-amiga. Se olhou no espelho e fechou os olhos. Você consegue, porra. Abriu os olhos e virou-se para inspecionar o carro: tudo limpo, com cheiro de novo. Nenhuma roupa íntima perdida entre os vãos e nenhum pacote de comida. Não que ela fosse se importar, também. O que eles já haviam vivido juntos ultrapassava todos os limites de intimidade. Pegou um perfume dentro do porta-luvas e espirrou um pouco na própria pele. Voltou a se olhar no espelho retrovisor e sorriu. Tô show. Voltou a respirar fundo dando partida no carro, tentando parecer tranquilo enquanto dirigia até a casa da acompanhante da noite.

Amara se olhou no espelho pela décima quinta vez. Estava linda com os jeans largos e pretos e uma regata, também preta mas justa. Um turbante azul marinho era carregado em sua cabeça. A própria coroa da rainha que era. Apesar de parecer muito arrumada, aquelas eram basicamente as roupas que usava no trabalho, pois eram umas das mais confortáveis. Iria apenas ter uma noite fora com um amigo e não queria se preocupar com saias justas e saltos, apenas sentar e relaxar, curtindo a própria existência. 

Kike, que havia chegado em frente ao prédio, pôs o carro em ponto morto e digitou uma mensagem:

Kike: Amy, to aqui embaixo.

Amara: Ok, já estou descendo!

A mulher pegou sua bolsa e carteira, pôs os chinelos e saiu de casa. Dentro do elevador, se olhou uma última vez: estava maravilhosa. A porta se abriu, a negra virou e saiu. 

Vendo a amiga sair do prédio, o coração de Kike acelerou. Parecia um adolescente no primeiro encontro quando saiu do carro e abriu a porta pra companheira, tendo que voltar a controlar a respiração quando se sentou no banco do motorista e perguntou para onde iriam exatamente.