A t r a s o s

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Quando acordei os braços de Letícia envolviam minha cintura. Dava pra sentir a respiração dela batendo na minha nuca. Olhei para trás, ela estava dormindo tão calma. Senti o coração pesar no peito, ela não merecia alguém como eu como namorada. A meses atras, eu escreveria uma música sobre como ela parecia um anjo de olhos fechados. Mas agora, eu só sabia querer chorar por não ama-la mais como antes. Mas eu não podia simplesmente terminar, não sem nem tentar. Ela já fez e estava fazendo tanto por mim, eu não podia abandona-la. Peguei meu celular e olhei a hora. 8:10. Eu tinha aula as 8:30.

-- Lê…? -- Chamei, tocando o rosto dela e a beijando no nariz. -- Acorda, preguiça.

-- Bom dia, amor…. -- Ela bocejou, me abraçando contra o corpo dela. -- Que foi?

-- Eu preciso tá na faculdade em 20 minutos.

-- Sério amor? -- Ela levantou no salto, vestindo uma calça. -- Pede pro Du levar seu material pra faculdade, eu vou….. Vou te esperar no carro. -- Ela estava desesperada por eu estar em cima da hora. -- Vai, Ana, levanta!

-- Calma, menina! -- Dei risada e ela me acompanhou.

Levantei, vesti uma calça e uma camiseta da Letícia mesmo. Fomos até o carro, porém, ele não ligava. Ela tentou mais duas vezes, mas ele continuou não ligando.

-- Acho que deu problema na bateria… -- Ela disse, batendo os dedos no volante. -- Não acredito que vou gastar uns cem conto só com isso. -- Ela suspirou, cansada. Meu coração apertou.

-- Eu posso pedir um taxi, Lê. -- Sugeri.

-- Ah, mas não mesmo, vai gastar mó grana e ainda vai chegar atrasad…. -- Ela olhou pro garoto desesperado ao nosso lado entrando no carro, parecia que tinha acabado de acordar. -- O Maicon!

-- Quem? -- A encarei enquanto ela levantava e ia até o rapaz atrasado do outro carro.

-- Maicon? -- Ela chamou. O rapaz a olhou. -- Tá indo pra faculdade? -- Ele concordou com a cabeça, procurando a chave nos bolsos da calça. -- Leva a minha namorada lá? Tá atrasada igual você e o carro não liga.

-- Claro, sem problema, pode entrar! -- Ele jogou a pasta e a mochila estilo bolsa de carteiro para o banco de trás.

-- Pronto, amor, pode ir. -- Ela me deu um selinho rápido e abriu a porta para mim. Entrei no carro e ela fechou a porta. Eu estava completamente perdida no carro de um estranho. -- Eu amo você.

-- Eu também amo você, Lê. -- Disse pra ela antes do menino dar ré no carro e começar a sair do estacionamento. Acenei pra ela antes de perdê-la de vista.

-- Então, atrasada também? -- Ele sorriu, ligando o som. Os olhos estavam bem abertos, mas tinha olheiras marcadas no rosto.

-- É, perdi a hora. Acho que meu celular não despertou. -- Sorri para ele. Os fios estavam tão bagunçados e eu tinha quase certeza que ele dormia deitado para a esquerda, já que sua barba e seu cabelo estavam bem amassados desse lado. -- Eu sou a Ana.

-- Maicon. Pode me chamar de Mike. -- Ele sorriu, passando a mão nos cabelos e se ajeitando enquanto se olhava no retrovisor. -- Por favor, me chame de Mike.

-- Okay, Mike. -- Dei um som brincalhão ao falar o nome dele. -- Não, assim tá piorando. -- Não pude evitar de rir enquanto ele piorava o ninho de rato que tinha no lugar do cabelo. -- Tá parecendo um ninho de rato, Mike. -- Uma ideia estalou na minha cabeça. -- Vou te chamar de Mickey.

-- Ei! -- Ele fingiu estar ofendido. Acho que o fato dos dois estarem numa situação constrangedora de atrasados e recém acordados causou em nós um clima divertido para uma primeira conversa. Nem sequer me sentia tímida. -- O seu também não tá essas coisas não, viu?

-- Isso são modos para se tratar uma dama? -- Colocou uma mão no peito, me fingindo de desapontada. Minha atuação estava melhor graças aos dois pseudo-atores que moravam comigo.

-- Me perdoe, mas ofendeu o meu ninho de rato no meu carro.

-- Justo. -- Dei de ombros e ri. -- Tu cursa o que?

-- Engenharia Civil. -- Ele suspirou cansado. -- E você?

-- Medicina. -- Disse, no mesmo tom que ele.

-- Pior decisão da sua vida?

-- Está tão óbvio assim?

-- Qual tua paixão de verdade? -- Ele perguntou, fazendo uma curva.

-- Música, com toda certeza, música.

-- Sério? -- Ele me olhou, surpreso e parecia contente. -- Eu também! Eu tenho uma banda com uns garotos que encontrei na faculdade, tocamos num barzinho quase sempre. Começamos numa apresentação da Facul em homenagem aos Beatles ano passado.

-- Ah, a Letícia me falou disso. -- Lembrei dela contando e me mandando vídeo dos rapazes cantando Help! -- Tu não me era estranho mesmo, sabia que tinha te visto em algum lugar.

-- Eu e a Leticia se conhece já faz um tempo. -- Começou Mike. -- Ela já veio numa festinha lá no meu ap no início do ano passado, antes de namorar você. Eu que avisei ela sobre o apartamento a venda.

-- Fez bem, ela tava quase louca procurando por um. -- Olhei onde estávamos, faltava metade do caminho ainda, mas pelo horário, tivemos sorte pelo trânsito fraco.

-- Mas voltando a falar de você e música. Tu compõe?

-- Eu tento.

-- Ah, qual é, eu tenho certeza que tu tem algo bom ai. -- Ele sorriu. -- Tu toca o que?

-- Violão. -- Resolvi não falar da minha pouca habilidade no piano.

-- Ah, cara, isso é ótimo. -- Ele se ajeitou no banco. -- Isso vai parecer estranho, mas nosso baixista, Fil, tá viajando por uns problemas de família e vai ficar uns dois meses fora. O Guto, que é nosso guitarrista, pode substituir ele, mas aí a gente fica sem guitarra, porque eu toco o violão. -- Ele me olhou. -- Maaaas… -- Ergueu um dedo  -- Se cê puder tocar o violão, eu posso tocar a guitarra e de quebra, ganha uns trocado.

-- É o que, Mickey? -- Ri, sem saber como reagir ao convite.

-- Toca com a gente no barzinho e ganha umas verdinhas por isso. -- Ele sorriu.

-- Vocês tocam em troca de maconha? -- Não pude deixar de brincar. Gargalhamos juntos. -- Mas eu vou pensar sobre, pode deixar.

Ele estacionou o carro, pegando as coisas dele no banco de trás e me dando tchau. Assim que desci e fui chegando na estrada da faculdade, vi alguém sentada na pequena escada da entrada principal. A juba estava enorme. Vestia o uniforme de uma cafeteria, minha mochila no colo, e uma sacola marrom, daqueles de mercado em filme americano, ao lado.

-- Bom dia, Vi. -- Sorri para ela, que retribuiu feliz.

-- Bom dia, Biscoitinho Fino. -- Ela me estendeu a mochila. -- Seu material. -- E então a sacola. -- E seu café da manhã, porque eu sei que você não tomou.

-- Não precisava. -- Olhei o chão, tímida. Mas meu estômago roncou alto, me entregando e fazendo Vitória rir. Ela me deu um beijo na testa e sussurrou um tchau, indo voltar para o trabalho.

Entrei na faculdade e fui direto para minha sala. Por sorte, a professora tinha atrasado 10 minutos e a aula tinha recém começado. Me sentei e abri meu café da manhã. Uma garrafa térmica com café e um sanduíche. Porém, tinha algo diferente no sanduíche. Normalmente, o presunto e o queijo estão cortados para caber certinho no pão e o sanduíche era cortado na diagonal. Hoje, estava sem o corte e com as bordas caindo pra fora do pão. Drummond cortava o sanduíche dele na diagonal, ficando com dois triângulos. Lembro disso nitidamente. Todos os outros sanduíches eram cortados assim. Mas Vitória nunca tinha esse cuidado. Provei o café, menos doce que o comum, e mais forte, como o que ela preparava. Sorri, notando que quem havia preparado tudo essa manhã tinha sido Vitória, e não Drummond.

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