A n a t o m i a

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Estava fazendo um rascunho de toda musculatura do corpo humano quando uma Vitória somente de short e top invandiu aquela sala de estudos e me pediu para prender um colar no seu pescoço. Não demorou meio segundo até ela sair na mesma velocidade que entrou, mas já estava perdido. Voltei a rabiscar o papel, desenhando os músculos das costas.

Costas... Essas ainda meio úmidas de Vitória. Costas frias e com cheiro de natureza, algo amadeirado e hipnotizante. Cheirava a sol. Desenhei então os ombros, ombros os dela que recebia aqueles cachos loiros. Desenhei braços, com o mesmo bíceps que vi contraído no braço da Falcão ao vê-la segurar aquele balde ontem. Joguei a lapiseira sobre o papel, o que havia de errado comigo?? Desde quando anatomia falava tanto de Vitória e tão pouco de, não sei, anatomia?? Encostei a cabeça na mesa, sentindo o vento da janela mexer na minha nuca. Leve como ela deveria ser.

Tentei, por um segundo, pensar na minha namorada. Ri de frustração, sozinha. Nossa história era tão boba e clichê: eu nunca havia namorado, a gente se conheceu enquanto eu me descobria e bem, a gente foi conversando, e ficando, e ficou. Supria minhas necessidades ano passado, quando começamos naquele namoro, mas hoje, só me dava dor de cabeça. Eu precisava tirar um dia pra falar disso com ela, mas não agora. Ela é uma ótima companhia quando não está falando de eu me assumir, ou de ir "dormir" na casa dela. Ela era a minha melhor amiga. Ela é. Droga, eu realmente tenho que parar de falar dela no passado.

Minha mente voltou para Falcão e seu corpo molhado no banho. Ela me fazia sentir algo que Leticia nunca fez. Vitória fazia meu corpo se contrair, numa área logo abaixo do estômago. Eu sentia borboletas ai. Sentia minhas mãos gelarem e as pernas ficarem bambas. O cheiro dela fazia meu olho fechar sozinho. Parecia imã, eu era atraída por Vitória como o pólo negativo do ímã era pelo positivo. Era científico minha atração por ela. Era lei universal. Era natural. Por isso a anatomia do corpo dela era tão linda ao meu ver, por isso.... Chega, Ana, para de se perder tanto nela.

Dei um basta nisso bufando. Eu não podia pensar tanto nela, não mesmo. Eu namorava. Eu ficaria ali por um mês só e ia, feliz da vida, morar com a garota que eu amava. Que era Leticia. Vim pra São Paulo para isso. Pra ficar com ela. Iria me formar e adotar 3 gatos listrados. Estava tudo certo, tudo lindo, tudo massa. Os gatos iam se chamar Simba, Mufasa e Scar. Tava tudo planejado, tudo desenhado na minha cabeça. Esperava, eu disse "garota que eu amava"?

Eu tinha tudo desenhado, tinha uma lista, uma planilha, um projeto a longo prazo, tudo no lugar. Exceto pela Leoa Falcão. E eu, pobre mímica, jamais seria capaz de domar a estrela do circo. "Porque tudo relacionado a ela me faz entrar nesse conto de fadas?" pensei, tudo sobre ela era mais poético, mais dramático, mais Shakespeariano. Ela me fazia caetanear, djavenear e embelezar tudo que eu via. Ela despertava minha vontade de cantar. Suspirei. Deixei minha cabeça vagar pela imaginação de criança que me surgiu de repente.

Me vi como criança de circo, bermuda pra baixo dos joelhos preta, blusa listradinha de preto e branco, suspensórios para completar. Meia preta, calçado social preto. Luvas. Perfeita mímica. Do outro lado, uma menina em fantasia de leão, uma mini versão de Vitória. Mais bochechuda que a atual, como me permiti imaginar, com uma roupinha do felino, nem precisava de juba, os grande cachos fazia o trabalho.

"Porque você está em preto e branco se o dia é cheio de cores?" mini-Vitoria me questionou. O circo montado atrás de nós, sua lona colorida. E eu, que não podia falar, apenas dei de ombros. "porque teu rosto está a colorir de vermelho essas bochechas?"

Ri sozinha com meu faz de conta de criança. deixei de lado a Mini-Ana e a Mini-Vitoria. A tela que ela havia pintado pela manhã agora estava secando do lado de fora de casa, havia ficado linda com muitos tons quentes. Sua mesa estava ainda mais bagunçada essa manhã, os roteiros espalhadas e os marca-texto jogados meio fechados, meio abertos. Ela era péssima em organização.

Não era à toa. Fez uma bagunça dentro de mim. E, como minha mãezinha bem sabe, eu nunca fui de arrumar as coisas.

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