Logo um menino abriu a porta. Usava bermudas vermelhas, o peito nú mostrando um o abdômen malhado e uma bandana no cabelo no estilo de uma faxineira de sábado. Que era exatamente o que ele era, uma faxineira de sábado. Ele era assustadoramente alto. E magro. Ele tinha uma vassoura nas mãos, sorriu mostrando seus dentes alinhados, o cabelo descolorido arrepiado pra cima e os olhos azuis me fitaram dos pés a cabeça.
-- Muito bom dia, senhorita! -- Ele disse, sua voz era acolhedora. -- Vamos, entre, tu deve ser dona Caetano, pode entrar, repara na bagunça não, viu? -- Ele falava rápido e já foi logo me dando passagem pela porta, deixando a vassoura escorada na parede, pegando minha mala e fazendo sinal para que entrasse. "Alguém, por favor, tira esse menino da tomada", pensei, rindo sozinha vendo ele naquela pilha toda.
Eu estava perto da escada quando ele parou do nada, largou a mala e riu sozinho, escutei Beyonce tocando alto na cozinha, ele realmente estava empenhado na faxina. O local estava de cabeça pra baixo. A escada era logo de frente para porta, a minha direita tinha a sala e a esquerda a sala de jantar. Vi que a cozinha ficava logo atrás do cômodo da esquerda, do outro lado a porta estava fechada e eu não soube dizer o que tinha lá.
-- Onde estão meus modos? -- Riu mais um pouco, limpando a mão na bermuda. Os olhos cor de céu eram incrivelmentes alegres. -- Eu sou Drummond. -- Ele se apresentou, me oferecendo a mão.
-- Ana. -- Sorri para ele.
-- Eu sei quem cê é, menina! -- Drummond riu alto. -- Tu é a Caetano, Tavares me contou que tu viria. Vamo logo subir e guardar esses trem aqui no teu quarto. -- Ele fez sinal para eu subir as escadas, no caminho, tentei decifrar de onde aquele sotaque era.
No andar de cima havia um banheiro e três quartos. Um deles eu vi que funciona como quarto de música, o outro era uma espécie de quarto de estudos e o último tinha uma cômoda enorme embaixo da janela que ficava bem no centro do quarto e uma beliche de cada lado.
-- Se tiver problemas para você dividir quarto com um garoto, eu durmo na sala até se sentir confortável com isso. A beliche da esquerda é minha, a da direita, no colchão de baixo, é da Falcão. -- Ele larga minha mala no chão e põe minha mochila no colchão de cima. -- Já já tu arruma essas coisas, chegou em hora boa, estamos faxinando a casa e uma ajuda viria a calhar.
O segui de novo até o andar de baixo, vendo ele ir até a cozinha. Ao entrar dei de cara com algo que foi possível não olhar: Uma menina, com caixos loiros muito armados e presos pra cima com direito a uma bandana estava segurando um balde com água. Usava short preto de tecido colado e um top da mesma cor. Seu corpo brilhava com suor e sua pele era extremamente branca. O rosto estava avermelhado pelo esforço físico. "Que minha namorada me perdoe, mas meu deus, que mulher" pensei, logo sacudindo a cabeça.
-- Dá próxima vez que tu derramar refrigerante no chão, Du, eu juro que.... -- Os olhos dela finalmente encontraram os mais. Que cor era aquela que nunca vi no mundo antes? -- Ah, oi, eu sou a Falcão. Vitória Falcão. Estou dando uma bronca nesse menino ai que deixou o chão todo grudento. Tu deve ser Caetano.
-- Eu sou a Ana... -- Murmurei, ainda perdida demais naqueles olhos cor de nem sei dizer o que.
-- Deixe disto, Falcão! -- Drummond tinha reações exageradas a tudo e falava com um sotaque engraçado e diferente toda vez que se pronunciava sobre algo. -- Quié que tem derramar um pouco de refrigerante, hein? Nunca fizeste isto na vida, é?
-- Má menino, tu num me provoque que hoje eu num tô pra suas brincadeiras! -- Ela fez um gesto exagerado com a mão. Lembrei então o que Letícia me disse: eles faziam teatro. "Pronto", pensei, "morarei com dois atores de novela mexicana"
-- Mainha! -- Ele bateu o pé no chão. -- Isto lá é jeito de se falar em frente de visita? Cadê teus modos minha mãe? -- Ele riu, logo me estendendo um pano. -- Venha cá, dona Ana, vamos sair daqui que está mulhé ai num acordou sendo flor que se cheire! -- Sai sendo puxada carinhosamente por ele, que me guiou até a sala. O pano estava na minha mão e ele logo disse: -- Tira o pó daqui, tenho que ajudar Falcão antes de vir aqui varrer a sala. Tavares já deve ter explicado tudo por aqui, não cobramos o primeiro mês e estamos cientes que só vai ficar aqui por esse período, mas mesmo assim, vivemos em conjunto e juntos mantemos o lugar limpinho e agradável pra viver, okay?
Ele tinha razão. Aquele lugar seria minha casa por um mês, e se eu fosse morar lá, ela seria minha responsabilidade também. Logo me aprontei para começar a limpar o local. Nada era muito alto, então foi tranquilo tirar o pó de todo o lugar. Descobri que na porta que havia na sala tinha um quarto de jogos, com videogames e coisas que seriam incríveis para passar o tempo. Quando terminei, Drummond veio com sua vassoura e varreu tudo. Quando terminamos, fomos até a cozinha, Vitória fazia pipoca. Vê-la de costas me deixou ainda mais sem ar, já que o short marcava bem a bunda dela.
-- Tu come pipoca, Caetano? -- Ela me perguntou, olhando por cima do ombro. Concordei com a cabeça. -- Que bom, viu, é a única coisa que eu sei fazer no que se diz cozinha.
Ri com o sorriso que ela me deu. Seus dentes eram bonitos, bonitos demais. O corpo agora estava ainda mais suado e o cabelo estava solto, virando uma juba bagunçada. Me permiti olhar ela um pouco mais, até Drummond aparecer atrás de mim.
-- Caetano, tem umas parada que tu preciso me responder. -- Ele me fez uma série de pergunta sobre coisas que eu podia ou não comer, meus pratos preferidos, coisas que eu não gostava. Me fez uma entrevista também sobre meus horários, pra ele e a Falcão se acostumar com minha rotina. Ele me contou que iam respeitar meus horários de estudo e tudo, mas que sábado era dia de faxina, e era música alta quase a manhã toda, começado as 6h. Me falou também que as sextas pedíamos pizza, e domingo cedo ele ia a igreja. Ele e Falcão tinha uma vida calma, e quase não ficava em casa, exceto os dias que eles assistiam os jogos de futebol americano em casa, ai eles faziam muito barulho. Terças a noite era dia de jogos, que eu era convidada a participar e se não quisesse, tinha que lidar com a movimentação da casa.
Ele foi super cuidadoso com tudo, simpático e eu logo senti que era um cara legal. Sentamos todos no chão da cozinha para comer a pipoca, enquanto eles me fazia perguntas aleatórias. O sotaque de Vitória era natural, ela não era de São Paulo, nem Drummond. Esse ai tinha sotaque do mundo, imitava qualquer canto do país.
-- Tu é da onde, Caetano? -- Falcão perguntou.
-- Eu sou de Tocantins, Araguaína.
-- Mentira, menina! -- Ela deu um salto.
-- Pronto, o PIB todo de Araguaína está na minha cozinha. -- Drummond brincou, enfiando pipoca na boca.
-- Tu é de lá também?? -- a olhei incrédula. Como eu não vi essa juba naquela finzinho de mundo que eu chamo de casa?
-- Eu vivi lá a vida toda, mulhé. -- Ela sorriu, aquele sotaque-casa agora fazia todo sentido. -- Onde tu estudou?
-- Santa Cruz.
-- Aaah num creio! -- Ela riu alto, jogando a cabeça pra trás. Ela tinha um jeito tão... dela. -- Eu estudei ai minha vida todinha. Como noís nunca deu de se ver por lá?
-- Vish, menina, sendo assim num sei memo não. Quantos anos tu tem?
-- Tenho 18, faço 19 daqui uns mês.
-- Foi isso então, eu tenho 19.
-- Ui -- Drummond riu, mexendo os ombros num falso desdém. -- Ela não falava com galerinha mais nova.
Me deixei gargalhar naquela cozinha que já era tão casa. A energia que aquele lugar me passava me fazia esquecer que estava em selva de pedras. Suspirei fundo. Encarei os dois, os olhos de Vitória me observavam curiosas. Sem pensar, fixei o olhar no dela.
Acho que ai foi o meu primeiro erro.
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C o l e g a s.
FanfictionAna vai para São Paulo estudar medicina e morar com sua namorada, Letícia. Porém, até essa se estabilizar para a vida a dois com Caetano, Ana tem que passar um mês morando numa espécie de casa universitária. Ela só não contava com a presença de Vitó...