Olhos do discernimento

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Após ingerir o Sangue Milagroso,
Aprendi muito a respeito do Mistério,
Da Criação e da Salvação.
Meu crânio se deformou.
Os médicos disseram que nasceram olhos
Dentro da minha cabeça.
E esses olhos que desestruturaram minha psiquê
Me arrastaram para além do que
Poderia jamais ser:
Meu pior pesadelo.
Com os olhos da mente se abrindo,
Me vi perdido
Numa atemporalidade esquisita.

Ó Pai,
Tua lógica é única,
E sabemos agora
Que tal não precisa fazer sentido
Para nós,
Somos tão pequenos
Que apenas entendemos por metáfora.
Ela nos conduz sobre os vales
E delineia o caminho correto
- Ainda que não o compreendamos -,
Somos conduzidos para a salvação,
Onde o futuro se faz concreto.
Claro que respeita nossa liberdade,
E tal caminho tomado
Sempre nos levará à conversão.
Essa é uma lógica que nos escapa,
Tal é a verdade.
Compreendemos, agora, mais do que nunca,
Que haverão barreiras
Postas por Ti, meu Senhor,
Que nos testarão
Até termos forças
Para nos reerguer
E conquistar a salvação.
Erros e mais erros se passarão,
Ainda mais que cada um
Nos ensinará o bastante,
Sempre o suficiente
- por si mesmos, não por nós -,
Nos aproximando sempre
Da própria conversão reconfortante.
Providência divina,
Eis o milagre que nos dirige ao objetivo.
Não, propriamente,
Ao nosso olhar tão pequeno,
Mas sim aos Teus planos, meu Pai.
Tal é o poder corretivo.
Através da Tua bondade infinita
E do Teu Sangue Milagroso
Tudo o mais ficou claro
- e meus olhos se enchem de amor -,
Não através de discursos,
De retóricas e de parecer asqueroso,
Esses que nos afastam tanto da Vontade
E nos impede de identificar o afastamento.
Os mesmos que nos machucam
E nos corroem tanto,
E que agora identificados,
Com o Sangue e com os Olhos do discernimento.

- Vejo agora, Pai, o que Teu Sangue
Fizeste conosco. - eu disse à Jesus,
Agora no altar, cercado pelos enfermos
E pecadores em sua peregrinação.
- Nos curou da efemeridade e também do fardo da cruz.

- Certamente, Fernando. - disse-me brando,
Enquanto me enleia.
Não compreendi como ouvi-lo
Em meio a tanto barulho
- Já tivera o vislumbre desse sonho.
Dele, todo esse amor, ainda receia?

- Toda a Tua obra,
Meu Senhor - respondi -, certamente
Fiquei inquieto. -
Gritei à princípio, mas amansei
Quando vi que Ele ouvira normalmente.
- Mas agora compreendo o sonho, maravilhei-me em seu conspecto. -

Ele apontou para o portão
E mostrou todo aquele burburinho,
Jamais esquecido.
- Esse é só o começo, Fernando,
Ainda hão de superar toda aquela dor,
Com ele também todo o furor,
Um mundo novo há nascido. -

- A tristeza - disse a Ele,
Vendo a multidão se atropelar - ainda
Haverá de ser meio?
Por que não pulas essa parte
E nos mostra o lindo monte,
Que todo o prazer e sabedoria
Se recanta em seu seio? -

- Fernando - disse Ele,
E apontou para a catedral cheia -, vocês
São a fonte.
Senão em vocês,
Donde brota a eloquência? - me disse,
Enquanto abençoava um filho.

Olhei em circunspecto
- Somos tão insignificantes - curvei
Vergonhoso a fronte.

- Ó dos poetas
Mais lustres - brincou Jesus -, honra
Agora a Iminência! -
Ele fez um gesto expansivo
No altar da catedral
Que fez chover sangue em todo o átrio.
- Faça tua prosa,
Estudo sobre amor profundo,
E encontra agora a tua ciência. -

Todos aqueles mendigos e doentes,
Fanáticos e insanos, bugiam em exaltação.
- A cura de todas as doenças,
Tal qual para vocês mesmos,
Meu Sangue pode livrar.
Do céu, o Imperador traz a rebeldia, a própria execução. -

Não tive certeza se Ele tinha dito isso,
Assustei-me.
- A lei do Pai é alegria.
Rebeldia? Execução? Meu Senhor? -
Perguntei inseguro
Esperando que me consente.
- Só é pela rebeldia - me respondeu - que
Poderá haver alegria,
Tédio é toda utopia.
Em toda parte
Impera o onipotente - continuou dizendo,
Tão eloquente - É claro que na cidade
Do Pai há a sede do paraíso,
Mas ele não é estagnação.
Também é do Seu plano,
Feliz o eleito à glória anuente. -

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