A queda do além-mundo

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Completamente imerso
Em um novo mundo surreal
De trevas e plantas mortas,
Eu fui do louvor para a loucura;
De olhos sempre hesitantes à Jesus
E seus Emissários na catedral.
Submerso eu estive
Nesse mar de sangue coagulante e fétido,
E deixei-me levar
Pelos sombrios fluxos existenciais;
Ouvindo tantos gemidos
E estalos das chicotadas
Na autoflagelação,
Fui arrastando pela cola viscosa de barro e sangue,
Até meu posto de escriba.

- Ó, Poeta - disse assim para Ele: - que
Começaste a guiar-me,
Vê bem o que em mim insiste,
Frio que, por mais anteparo,
Por maior verdade, baste.
Que o Pai Iminente
Tem um plano para mim,
Que Tu referiste.
Corruptíveis são os meus anseios,
Temo almejar o inferno.
Pois da forja para a minha
Garganta sequiosa,
O pecado existe.
Se do mal me quis,
E assim fizeste, Senhor,
Imperfeito e não eterno,
Distante de Ti,
E tão longe de sumo amor;
Submerso na dor há me feito,
Que e para qual razão,
Segundo o que discerno,
Mesmo abandonado
Em maldade,
Injustiça e luta,
Por que isso pode ser aceito?
Inda que mesmo
A Babilônia teve de ser queimada,
E suas cinzas levadas
Ao vento do esquecimento,
Esse mal, continua eleito?
Não me parece elegante de suficiente,
Pois fizeste da história uma grande loureira:
Suetônio a Cláudio,
E a Gregorovius a Lucrécia Bórgia;
Fizestes a mim e minhas mãos
Para construir-me junto a Ti,
Em vida aventureira.
Receio deslizar por tal ato de loucura,
Então me acolho
Em Tuas palavras e em Teu sangue,
Que supre;
O que és me sábio o que digo,
mesmo que em frase escura. - terminei.

- Pois em mim habita
Corporalmente toda a plenitude
Da divindade. - Aforismo foi a sua resposta,
E Ele agora repousou sobre a Cátedra,
Dizendo assim, como vozes alheias:
- Para quem sofre é uma alegria
Esquecer o seu sofrimento. -

Ouvi palavras tais,
E abaixei pensativo,
Tão quanto tartaruga,
Tão quanto coruja.
E diante a tanto mal, veio o corvo,
Junto com toda a sua necrofagia;
Negritude e morbidez,
Bem como fragmento de homem:
Horror e crosta suja.

Em meio
A tanta gente e horror,
Da entropia para a licantropia:
Também pude ver
Os caninos se alongarem,
Tal como os pelos,
Retardamento mental,
Psicose, dores e necroscopia.

O lobisomem me fitou:
Eis a instância, as dores feitas;
Onde haverá de ver a gente atormentada,
Pelo Flagelo da Fera,
Toda a perda da razão
E reconhecimento
Estão sujeitas.
Como quem ora quer,
Sempre o fará por interesse;
Se despreza.
Sua alma e desequilíbrio
Tem o mal disposto,
Explicitando os seus desígnios
De toda suma estranheza.
Assim o fiz diante o tenebroso,
Quase a cair no arco botante, na encosta.
Por mais que lhe adorava,
Por mais pensava,
Abandonava agora o intento,
Gritando em desespero,
Implorando às gárgulas,
Força naquela sombra exposta.

- Escarnecedora é a multidão,
E de tão desgraçada
Ascende para o tormento. -
Jesus compreendeu,
Mas não moveu um só músculo
Além do seu susto dissimulado.
- Esse fantasma saiu
Das minhas cinzas
E da minha própria
Chama de sacramento.
Nunca veio
Realmente do outro mundo,
Pois tal não é real;
Sim, para querer maculado.
Eu, que tanto sofri,
Dominei-me com a ajuda do Pai;
Reacendi minha chama no céu,
Logo finalmente
Inventei-me resplandecente,
Tão longe do atribulado.
Enfermos e decrépitos
Foram os que menosprezaram
O corpo e a terra mesma!
Os que louvaram
E inventaram causos celestes,
Depositaram
Fanatismo no Sangue Redentor
E trouxeram dele a guerra. -

Toda aquela gente
Gritando e esperneando
Em violência e desgraça,
Logo se fez desaparecer
Pelo sonho celestial,
E da mesma realidade,
Da mesma gota de sangue,
O céu se fez graça.

- És aquele que é a Palavra! - disse a Ele
De mãos atadas,
Protegido na catedral - Estás com Deus
E é Deus. - complementei chorando.

- Aquele que crê em mim,
Ainda que morra, viverá. - Ele bradou,
Subindo no degrau.
- Os homens são hipócritas,
Até esses doces e lúgubres
Venenosos
Foram buscar no corpo
E na terra
Tudo aquilo que adoravam
E almejavam
Em além-mundos. -

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