A Última Carta.

254 13 0
                                    

Eu juro, por este céu cinza que sobre mim está e por este chão esburacado que sobre estou.

Juro pelos séculos dos séculos e por toda a eternidade, por mais que me doa.

Juro pela dignidade que me resta...
Que esta é a última carta que escrevo a você.

Eu já disse tanto sobre você que agora faltam-me as palavras. Não sei mais o que falar, sequer sei porque voltaria a falar sobre você, sobre nós, e sobre tudo aquilo que nos causamos.

Acredito que haja assuntos que já foram assunto demais para serem assunto novamente. Você se encaixa perfeitamente nisso.

Eu já cansei de falar sobre o quão belo você foi e de como eu amei você.
Já cansei de citar nossos dias, nossas noites, nossos costumes...

Já cansei de me lembrar de você e sentir a dor novamente, a dor da perda de alguém que se foi porque quis... alguém que nem se preocupou em ficar.

Sabe... lembrar-me dos seus olhos pequenos, da sua voz tão calma, dos seus cabelos que nunca se mantinham arrumados; por minha culpa, na maioria das vezes... lembrar-me de tudo o que passou e lembrar-me que jamais voltará a passar dói.

E eu preciso esquecer.
Melhor dizendo, preciso criar a ilusão de que te esqueci, pois esquecer-me nunca vou. Nem se quisesse poderia.

Você faz parte das minhas mais belas memórias e você fez dos meus dias mais belos enquanto esteve do meu lado.

Eu juro que já pensei em mil maneiras de terminar essa carta, mas cada palavra escrita aqui dói. Dói porque me lembra você, me lembra nós. Me lembra você no meu quarto, na minha cozinha, na minha sala de estar, no meu quintal, na minha garagem... me lembra de você em cada canto da minha casa porque eu abri as portas pra você. Não só as portas de casa, mas também as portas do meu coração. Me fiz morada pra você, me arquitetei, fiz de tudo pra que você se sentisse confortável, mas "tudo" não foi o suficiente pra você.

Você resolveu que ia e foi.
Pegou suas coisas, cada uma delas, e foi embora. Foi-se como se nada eu fosse.

Talvez "nada" seja o certo.
Talvez "nada" explique muita coisa.

Talvez, pra você, eu sempre fui nada.
Por mim você sentiu nada.
"Nós" nunca passou de nada pra você.

Enquanto pra mim, você sempre foi tudo.
Tudo aquilo que eu nunca, de fato, tive.

E eu preciso seguir em frente, como você seguiu, há muito tempo atrás.

Eu sequer te reconheço agora, e é muito estranho o fato de eu me manter tão apegada a alguém que eu nem conheço mais.

Então, eu comecei a me despedir de tudo aquilo que me remetia a você.
Me despedi daquela cadeira no meio daquele quarto escuro e empoeirado, daquela sala-de-estar com aquela sua foto na parede... aquela que você morria de vergonha que eu visse. Me despedi dos seus pais, dos seus irmãos, da sua varanda que testemunhou muitas das nossas discussões... me despedi daquela esquina que eu costumava virar em direção a sua casa, me despedi do lugar que nos encontramos a primeira vez. Me despedi dos detalhes, dos sorrisos, das piadas, das músicas, das danças, dos abraços apertados, dos beijos, daquele anel, da sua voz e me despedi também do olhar que me deu certa vez. Me despedi de tudo aquilo que guardei comigo e de tudo aquilo que se foi junto de você, mas que eu ainda insistia em lembrar.

E quando eu me senti livre, quando vi que tudo sobre você havia se tornado nada, eu chorei. Chorei porque senti sua falta, mas não queria que você voltasse.
Então, te deixei ir. Deixei ir de verdade, sem mágoas, sem dor, sem lembranças, sem mais nada.

Estamos livres um do outro, e dessa vez, para sempre.
Se acaso me encontrar em outra vida e o seu destino se cruzar com o meu, peço que não me procure. Não me chame nas madrugadas frias, eu não vou estar lá para te ouvir.

É que eu te amei demais, mas eu entendi que só vou ter paz quando estiver longe de você.

Eu não sei me despedir, não sei dizer "adeus" e realmente partir, mas desta vez terei de aprender a ir e não mais voltar.
Eu juro, por este céu cinza que sobre mim está e por este chão esburacado que sobre estou.

Juro pelos séculos dos séculos e por toda a eternidade, por mais que me doa.

Juro pela dignidade que me resta...
Que esta é a última carta que escrevo a você.

Daquela que, por tanto tempo, a todo tempo, te amou.
Izabella A.

Uma Saudade SuaOnde histórias criam vida. Descubra agora