O carro parou em frente a minha mais nova casa, um lugar decrépito de fato, mas que ainda tinha seu charme, envolto de um pequeno jardim mal cuidado e enfeitado com um anão de porcelana prestes a quebrar. Vovô logo se prontificou a me ajudar com as malas, tentando de alguma forma me incentivar com toda aquela mudança. Quatro semanas tinham se passado. Vinte e oito longos dias de burocracia e pesadelos. Tia Desiree me esperava na porta, ela não sorria, mal me olhava, era como se ela estivesse ali apenas por obrigação. Vovó me ajudou a ajeitar algumas coisas no meu mais novo quarto, que mais parecia um depósito de lixo.
- Qualquer coisa é só ligar - Seus lábios tocaram minhas bochechas. - Se cuide.
- Tchau vovó, tchau vovô - Os abracei com força.
Ambos entraram no carro e aos poucos foram se afastando, ficando fora do meu campo de visão. Eu devia tudo a eles, tudo e mais um pouco, não apenas porque recebi presentes ou o bolo de aniversário, mas pelo fato de terem me apoiando o tempo todo, por terem comemorado o ano novo com um sorriso, mesmo quando prefeririam estar chorando. Sorri internamente, grata por todo o esforço que dispuseram para me deixar feliz. Fechei a porta e encarei a sala bagunçada. Minha tia pegou sua bolsa e começou a retocar o batom com cuidado.
- Tem apenas uma regra nesta casa - Tia Desiree falou. - E ela é simples. Não se intrometa na minha vida que eu não me intrometo na sua.
- Ok...
- A propósito, seu aniversário foi no dia do velório, estou certa? - Balancei a cabeça, encarando o chão. - No seu quarto tem um monte de tralha que eu não quero mais, se preferir, considere como um presente de aniversário atrasado.
- Obrigada - Murmuro incrédula com sua falta de sensibilidade.
- Cuide da casa enquanto eu estiver fora. - Ela abriu a porta - As chaves reservas estão penduradas do lado da geladeira.
A porta se fechou num baque e, logo depois, tudo ficou silencioso, nem mesmo o vento ousava bater contra a porta. Suspirei. Precisava ocupar minha cabeça, não podia ficar pensando em coisas que pudessem me perturbar mais do que já estava perturbada. Segui o conselho que recebi da psicóloga e mergulhei em afazeres. Aquela casa estava imunda, e mesmo que eu não gostasse de faxina, me via obrigada a fazer. Comecei por meu quarto, separando tudo em dois montes: O que eu queria e o que poderia ser jogado fora. Meus braços tremiam conforme puxava as caixas pesadas e meu nariz espirrava a cada vez que uma camada espessa de pó levantava.
Quando menos percebi, já estava esfregando o chão da cozinha, encerando a madeira como se minha vida dependesse daquilo, e talvez, dependesse mesmo. Lavei a louça, tirei o pó, fiz tudo o que aquele ambiente tinha direito de receber, até mesmo a geladeira, que antes estava suja e quase aos pedaços, brilhava. As horas foram se passando e a casa parecia voltar a ter vida a cada cômodo limpo. Evidentemente não entrei no quarto de minha tia, pois sua regra deixava claro que ela não queria nada de intromissões, então pulei sua caverna secreta e fui dar um jeito no banheiro. Aquele ambiente estava um caos, cheguei até mesmo achar restos de preservativos usados.
- Que nojo...
Joguei todo o lixo nos enormes sacos, dando nós firmes para que nada daquilo se soltasse no meio do caminho. Meus músculos doíam com tanto esforço, mas minha cabeça agradecia toda aquela ocupação. Voltei para o corredor e vi cinco sacos de lixo, me esperando para serem jogados fora. Peguei um de cada vez, com muito cuidado, rezando para que não rasgassem no meio do caminho. A faxina estava quase completa, o que era um alívio de certa forma, pois sentia o suor escorrendo por minha têmpora e costas, e aquilo, era demasiadamente desconfortável. Quando todos os sacos foram devidamente jogados fora, notei que já tinha escurecido e que precisava urgente de um banho e comida.
Liguei o registro e esperei a água aquecer. O suor desceu pelo ralo junto de toda a sujeira acumulada. Meu pulso latejou de leve, condenando tanto esforço físico. Estalei as costas, me alongando o máximo que podia. Vapor emanava de minha pele, envolvendo-a numa manta invisível e quentinha. Fechei os olhos e deixei algumas lágrimas caírem. Sentia tanta falta de meus pais, sentia tanta falta de minha irmã, mas apesar de toda essa dor, de toda essa falta, o que me pressionava mais era o fato de que não existia remorso dentro de mim, não me importava se tinha matado aqueles homens, para mim, aquilo só era mais um fato em meio ao caos.
Me sequei com cuidado, evitando tocar nas feridas que ainda cicatrizavam. Penteei os fios ruivos e extensos, lembrando que precisava aparar as pontas. Enrolei a tolha no corpo e deixei minha "sauna" particular. Estava quase alcançado o quarto quando perdi o equilíbrio e cai, quebrando uma das madeiras do chão. Pulei para trás, assustada com a madeira deslocada. Segurei firme a toalha e olhei o estrago, já imaginando minha tia surtando assim que visse. Mas, para minha surpresa, ela só tinha saído do lugar, nada estava quebrado. Suspirei aliviada, pegando a pequena tábua e me curvando um pouco sobre o pequeno - mas nem tanto-, buraco.
- Mas o que... - Virei um pouco minha cabeça, permitindo a luz do corredor iluminar o buraco, podendo assim, avistar um pequeno embrulho bem guardado. Ponderei sobre pegar ou não o pacote, mas no final, acabei o pegando. Desfiz o nó que o prendia e abri com cuidado o papel velho. Nele tinha alguma informações estranhas, as quais puxaram minha curiosidade do mundo da lua, e, sem pensar, peguei o celular e tirei foto de todas as cartas e papéis, voltando a guardá-los do mesmo jeito que estavam quando os encontrei. Encaixei a madeira no seu devido lugar e voltei para o quarto, pronta para comer alguma coisa e entender o que aqueles papéis tinham.
×
A porta abriu com força, estalando as dobradiças, alarmando-me, mas antes que eu saísse do quarto, gemidos altos ecoaram pela pequena casa, forçando-me a continuar quieta e parada. Meu coração ficou estático, apenas esperando mais algum ruído, ou no caso, gemidos. Coloquei os fones de ouvido, me recusando a escutar todo aquele ato depravado. Vesti uma calça de moletom rapidamente e pulei a janela, agradecendo pela casa só ter um andar. Sentia minhas bochechas queimado em constrangimento, mas não importava o quanto queimassem, o som continuava audível.
Comecei a correr para longe dali, indecisa para onde ir exatamente. A música começou a acompanhar minha velocidade, que variava conforme o cansaço atingia minhas pernas. Soltei o ar, arfando em cansaço, fechei os olhos por um momento e puxei todo o ar que podia, mas nem cheguei a correr, pois um cachorro simplesmente pulou em cima de mim, me derrubando com força contra o chão.
- Eva! - Alguém gritou. - Saia de cima dela!
O cachorro foi puxado para longe de mim. Meu coração batia tão rápido quanto as asas de um beija flor. Sentei-me atordoada, encarando o cachorro que continua a rosnar.
-Moça, eu sinto muito... - Levantei a cabeça e encarei o homem. - Megan?
- Policial Johnson?
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Tocando as notas do crime (Em Correção)
AcciónSó podia escutar os tiros, os gritos e por fim, meu dedo escorregando no gatilho. ××××××××××× Era natal. Tudo estava perfeito. Megan repousava no ombro de Céu. Tudo estava calmo. O chocolate quente aquecia suas gargantas, a p...