Semanas se passaram conforme o relógio denunciava o tempo. Dias longos, que na maioria das vezes, quando chegavam ao seu final, me causavam pesadelos. Eram raras as noites que não sonhava com meus pais e minha irmã sangrando. Chegava a ser um alívio quando sequer sonhava. A falta deles em minha vida era excruciante, mas arrisco dizer, que a falta deles me causou imensa liberdade. Sair as três da manhã de casa não era um problema, dormir fora, pouco importava, comer apenas pizza não fazia diferença, pois a regra de minha tia era rígida e libertadora. Não posso negar que na maioria das vezes chegava a ser solitário, mas a vida sempre teve um pouco de solidão aqui e ali, então tudo chegava a ser de certa forma suportável.
Os resultados das faculdades não demoraram para chegar, aumentando muito mais meu senso de responsabilidade. Havia passado em todas as quais fizera a prova, e, com muita determinação, sabia qual delas seria perfeita para mim. Desde de pequena, sonhava ansiosa em seguir os passos de minha mãe na medicina. Céu vivia falando que eu seria capaz de entrar na faculdade dos gênios, e, graças a sua motivação, assim aconteceu. Lá estava eu, frequentando uma escola que apenas os gênios poderiam frequentar. Confesso que alguns eram estranhos e cheios de manias, mas de resto, todos eram de certa forma "normais". Apesar de quase completar dois meses na faculdade, não tinha feito sequer um amigo, mas não era como se aquilo me incomodasse, na verdade, pouco me importava, para ser honesta. Coloquei os fones de ouvido e empurrei meu skate com força, sentindo a mochila de lona bater contra minhas costas.
O céu estava muito mais escuro do que antes, deixando-se iluminar por pequenos pontinhos brilhantes, que, por sua vez, eram terríveis vaga-lumes feitos de nuvens de gases interestelares há milhares e milhares de quilômetros do planeta Terra. Suspirei. Não podia culpá-las por não terem me ajudado a obter alguma resposta ou encontrar um caminho, mas de certa forma, elas eram as únicas as quais poderia descarregar minhas frustrações. As estrelas eram a minha fúria e a paciência. Minha perdição e salvação. Estalei a língua, aumentando a velocidade. Deslizei pelas ruas em silêncio, vagando pelo vácuo continuo das dúvidas.
Buscando um pouco de desafio, arrisquei algumas manobras no skate. Um kickflip foi o máximo que consegui fazer antes de parar numa pequena banca. Comprei um jogo de sudoku e gomas de mascar, sem saber ao certo se iria ficar resolvendo o livro na rua ou só depois que chegasse em casa. Raspei o pé no asfalto e parti rumo ao estranho lugar que agora chamava de lar. Encostei a porta com cuidado, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas sem sucesso, pois duas bolas de pelos avançaram nas minhas pernas. Passei pelo corredor sem pressa, jogando sobre a cama uma mala ainda nova e um corpo cansado. Fechei os olhos, acariciando Sherlock e ignorando as mordidinhas de Ramona.
- Megan? - A voz de minha tia me despertou. Abri os olhos e a encarei encostada no batente da porta.
- Oi tia - Sentei-me.
- Consegui a entrevista. Amanhã, as duas e meia, esteja pronta.
- Ahn?
- Não me faça repetir, pequeno prodígio - Ela riu com escárnio. - Meio dia fique pronta, vou te dar uma carona.
- Ah... Obrigada tia - Sorri.
- A escola está muito puxada é? - ignorei seu comentário, voltando a me deitar. - A propósito, se quiser esse emprego, esteja no mínimo... Apresentável.
Voltei a encará-la, sem entender seu comentário. Suas pernas deslizaram para fora do quarto e seu cabelo voou com graça. Observei minhas roupas com atenção. É, eu estava um lixo. Ri, esboçando o mesmo escárnio de minha tia. Nunca fui de me arrumar como uma princesa, sempre achei esse tipo de coisa um desperdício de tempo, mas ultimamente, estava andando como uma mendiga, talvez pior. Me levantei e abri o armário velho, passando os olhos por todas as roupas que tinha. Vovó, mesmo sabendo que eu raramente usaria um vestido, os comprou mesmo assim, tinha uns quatro, sem contar com os velhos que minha tia deixara. Os peguei e coloquei na cama, afastando os gatinhos com cuidado.
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Tocando as notas do crime (Em Correção)
AcciónSó podia escutar os tiros, os gritos e por fim, meu dedo escorregando no gatilho. ××××××××××× Era natal. Tudo estava perfeito. Megan repousava no ombro de Céu. Tudo estava calmo. O chocolate quente aquecia suas gargantas, a p...