prologue

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"A vida é uma tempestade, meu amigo. Um dia você está tomando sol e no dia seguinte o mar te lança contra as rochas. O que faz de você um homem é o que você faz quando a tempestade vem."

O Conde de Monte Cristo

- Aqui está - o corretor conferiu rapidamente o documento e o entregou nas mãos de Clarissa. Victor, o advogado que acompanhava o processo de aquisição do imóvel, observava à tudo em silêncio.

- É só assinar, e o casarão é seu - tornou a dizer. A menina encarou o contrato. As unhas pintadas de preto.

Fazia sol e ventava forte do lado de fora da imobiliária. A sala era simples, tinha apenas duas mesas de escritório, um balcão, uma cozinha, dois vasos de planta e paredes azuis claras. O ventilador de teto rodava devagar, e junto com o zunido da geladeira, eram os únicos sons ouvidos no lugar. Há alguns dias atrás, Clary jamais se imaginaria frequentando a pequena imobiliária.

Era quinta-feira quando Clarissa foi escalada para o primeiro turno. A cafeteria funcionava 24h e a menina geralmente trabalhava durante o período da noite. Clary tinha saído do colegial a um ano e considerava aquele um bom emprego. Vale transporte, direito a duas folgas por bimestre, uma refeição diária no próprio estabelecimento e uma rede de wi-fi exclusiva para os funcionários. Por novecentos reais ao mês.

- Prontinho - Rafael estendeu a bandeja com panquecas e dois cappuccinos para a menina, que guardou o celular imediatamente. Gostava de aproveitar a falta de movimento para rolar a linha do tempo do Facebook. - Para aquele casal - apontou para uma mesa próxima a porta.

- Para aquele casal - repetiu.

E foi exatamente quando Clary virou-se com o pedido em mãos, que a porta da cafeteria foi aberta, tilintando o sino preso no alto.

- Senhorita Duval? - o homem usava um terno barato e segurava entre o corpo e um dos braços, uma maleta preta. - Perdoe-me - ajeitou-se. - Victor, advogado da Advocacia Addams.

- Sou eu - respondeu ligeiramente assustada.

- Eu resolvo isso para você - Rafael surgiu ao seu lado e retirou a bandeja de suas mãos, os deixando a sós.

Sem saber exatamente o que fazer, Clarissa desatou o nó do avental e encarou o advogado por alguns instantes.

- Sente-se - ofereceu e os dois partiram em direção a mesa mais reservada da cafeteria.

- Imagino que esteja se perguntando qual o motivo desta visita - ele disse.

A menina não respondeu àquela suposição. Os dois já encontravam-se sentados próximos a parede lateral do estabelecimento.

- Apesar da senhorita já ter os seus dezoito anos completos, gostaria de ressaltar, antes de qualquer coisa, que toda essa conversa foi autorizada por um órgão de justiça competente e está sendo realizada com comunicação prévia aos seus pais adotivos.

A visão da garçonete escureceu subitamente. "Está sendo realizada com comunicação prévio aos seus pais adotivos." "Pais adotivos."

O advogado pretendia prosseguir, mas a menina o interrompeu ao que se levantou às pressas e bateu o joelho na mesa sem querer, chamando a atenção de Rafael e dos clientes que frequentavam a cafeteria a aquela hora da manhã.

- Senhorita Duval - Victor também se levantou, o que provavelmente trouxe a menina de volta a realidade. - Eu tenho algo para você. Por favor, sente-se.

Clary olhou em volta como instinto. Sua visão ainda estava parcialmente turva, embriagada em lágrimas.

- Eu sinto muito - o senhor pronunciou com calma, em uma tentativa de amenizar o impacto que carregava aquela informação. Clarissa ainda estava de pé e Rafael a observava de longe, segurando a bandeja de forma nervosa.

A garçonete tornou a se sentar e o advogado colocou a maleta sobre a mesa. Abriu-a em meio ao silêncio e retirou dali uma pasta transparente. O barulho dos elásticos se soltando distribuiu ainda mais tensão ao corpo magro da menina.

- Gabriela e Luís, na verdade são seus pais adotivos - entregou à ela algo que parecia ser um exame de laboratório. Clarissa não abriu o envelope. Seus braços permaneciam imóveis por conta da tensão. - Gostaria que soubesse que provavelmente existe sim, algum motivo plausível ao menos no contexto de vida de vocês, para que eles tenham ocultado este fato de você, mas como advogado, estou aqui para orientá-la apenas sobre termos técnicos.

Aos ouvidos de Clary, sua voz parecia ser emitida de longe.

- Assim que a senhorita completou um ano de vida, os seus pais biológicos resolveram fazer uma pequena comemoração familiar para celebrar o evento.

- O nome deles - ela o interrompeu. - Quais eram os nomes deles.

- Elisabeth e João.

Aquilo soou confortável aos seus ouvidos. Por algum motivo, seu peito preencheu-se de calor, em uma sensação consoladora em relação ao choque anterior a essa informação.

- A ideia principal foi um piquenique ou algo do gênero, mas com a chegada do verão, João teve uma ideia melhor e no dia seguinte, vocês três estavam instalados na casa do lado da família.

Tudo estava indo bem. Era uma segunda-feira ensolarada e você estava dando os seus primeiros passos na terra enquanto Elisabeth e João preparavam sanduíches em uma toalha estendida na beira do lago. E foi aí que o acidente aconteceu. Por uma fração de segundos de descuido, você despencou dentro da água funda e desapareceu por alguns instantes até que os seus pais tomassem conhecimento do que estava havendo e se atirassem na água para te salvar. Elisabeth não sabia nadar. João te retirou da água e se afogou junto da esposa tentando desvencilhá-la da água.

- Um mês após ser colocada para a adoção, Gabriela e Luís a retiraram do lar de crianças e adolescentes. O fato em destaque aqui, senhorita Duval, é que a casa no lago é sua graças a esta carta encontrada semanas atrás em uma das faxinas semanais mantidas por um parente distante do casal - o advogado entregou a menina o pedaço de papel. Clarissa leu o primeiro parágrafo e fitou o senhor sentado a sua frente. - Se adiantarmos a documentação, você pode se instalar lá em menos de três dias. A casa é sua, Clarissa.

Esta obra é uma produção independente e fictícia, sem quaisquer compromisso com a realidade.

As Luzes do CasarãoOnde histórias criam vida. Descubra agora