chapter one

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tempestade

substantivo feminino

1. agitação atmosférica violenta, muitas vezes acompanhada de chuva, granizo, vento, raios e trovões; temporal.

2. barulho súbito e violento.

A mudança de cenário aconteceu rapidamente ao que o ônibus intermunicipal atravessou os limites de Blue Lake. Da janela do coletivo, Clarissa observava a lenta e grandiosa movimentação das nuvens, que construíram sobre a região, uma imensa redoma transformando o dia em noite. Logo choveria, e os relâmpagos, que cortavam o céu como bombas, deixavam isso ainda mais claro. Essa tempestade não poderia atrapalhá-la de chegar até seu destino, mas talvez o barulho das gotas caindo sobre o telhado a ajudassem a dormir mais tarde.

A entrada da casa lhe era estranhamente familiar. Altas janelas por todos os lados. A fachada, de tijolos escuros, começava a ser tomada por pequenas espécies de plantas que cresciam do abandono. Parada em frente ao casarão, Clarissa carregava uma mochila em seus ombros e uma carta em suas mãos.

2006

A pequena Clary corria de um lado para o outro da sala agarrada em uma manta de linha rosa. Seus cabelos encaracolados pulavam no ar ao que os seus pézinhos batiam no chão e ela imaginava estar voando como uma fada. Quando de repente a menina parou, desfazendo o sorriso do rosto de sua mãe, que assistia as fantasias da filha.

- O que foi, querida? - questionou-a. Clarissa encarava o corredor, imóvel.

- A moça de vestido, mamãe.

- De vestido? - não havia ninguém ali. Por um instante, o corredor tornara-se assustador. A luz da cozinha estava acesa ao fundo. - Ande, venha cá - Gabriela levantou-se do sofá e pegou a menina no colo. - Quem é a moça de vestido, coração?

Aquela não era a primeira vez que Clarissa repetia a frase pelos cantos da casa. A criança encarou a mãe e apontou distraída para o porta-retrato com uma fotografia de sua falecida avó. Antônia usava um vestido amarelo e sorria de pé, naquele mesmo corredor, abraçada aos dois filhos mais velhos. Gabriela sabia que sua filha enxergava o mundo com olhos diferentes. Só não conseguia discernir se aquilo era bom ou ruim.


A garçonete respirou fundo e correu os olhos sobre o andar de cima, sentindo a barriga endurecer ao que assistiu um vulto atravessar as duas últimas janelas do casarão.

É só o vento batendo nas cortinas, Clarissa, disse à si mesma.


"Até demônios têm os seus demônios."

Hemlock Grove, série original da Netflix

Os sofás estavam, ao menos, em condições viáveis a se sentar. A casa havia ficado inóspita por anos, e eram inúmeros os focos de mofo no telhado. Mas ainda assim, podia ser considerada um lar. De histórias ou de pessoas. Sentada em uma poltrona, a menina comia um saco de batatas que comprara na rodoviária acompanhado de uma lata de refrigerante enquanto encarava a parede. De repente, um barulho a assustou.

A sensação de estar sozinha finalmente estava presente, como um desconhecido parado de pé em um canto da sala. Em meio ao escuro provocado pela aglomeração das nuvens, a menina se levantou devagar, deixando seu almoço mal improvisado sobre a mesa de centro. Clarissa ainda não havia explorado toda a casa desde que chegara. Visitou um a um os quartos no andar de cima, inclusive o de sua mãe, mas nada mais que isso. Sabia que o som provavelmente originara-se na cozinha, então seguiu a passos cautelosos até lá. Quando adentrou o cômodo, sentiu o próprio coração descer até os pés. Cambaleou para trás e gritou, cobrindo a boca com as mãos em seguida.

- Quem é você? - Clarissa se afastou, tateando a parede. - Socorro!

Os olhos escuros a encaravam. Pareciam ligeiramente azul, mas estava tão escuro que era impossível discernir. A garçonete nunca havia sentido tanto medo antes. Sobre o efeito da adrenalina, correu até o balcão e agarrou com as duas mãos um prato de louça. Talvez pudesse usá-lo para se defender do invasor.

- Quem. é. você? - perguntou mais uma vez, pausadamente. Neste mesmo instante a chuva começou a cair forte sobre o telhado, fazendo Clary virar-se para a janela como instinto. Quando voltou-se para a cozinha, o rapaz não estava mais lá.

- Mas! - gritou, atirando o prato no chão, o que provocou um estrondo mais alto que o esperado.

Não existia nenhuma explicação para o que havia acabado de acontecer. Do lado de fora, a chuva continuava se derramando sobre a grama.

As Luzes do CasarãoOnde histórias criam vida. Descubra agora