chapter three

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"Todos estão lutando uma batalha sobre a qual você não sabe nada sobre. Seja gentil. Sempre."

Skam, série de TV norueguesa

O único som em todo o casarão era o barulho que os dentes de Clarissa faziam enquanto a menina comia o macarrão instantâneo preparado sob o olhar de Samuel. Assim chamava-se o já-não-tão-desconhecido-assim. Já não chovia mais, mas ainda assim, vez ou outra relâmpagos caíam perto dali, a assustando em proporções um pouco maiores do que as recomendadas. As vezes, quando parava para mastigar a mistura, soltava a hashi e batia uma por uma as unhas sobre a mesa de mármore, desconfortável. Havia aprendido a comer com os palitinhos com o melhor amigo e colega de trabalho, descendente de japoneses.

- Certo - ela se levantou do banco, levou o copo a pia, lavou as mãos e voltou para a mesa. - Com o que exatamente eu terei que te ajudar?

- Eu não sei - aquela foi a resposta mais sincera que ele conseguiu formular.

- Você não sabe - reafirmou a informação. - Ótimo, então você já pode ir embora.

- Clarissa.

A menina parou para ouví-lo. Seus grandes olhos pareciam aflitos.

- Eu estou sozinho. Não consigo segurar absolutamente nada com as minhas próprias mãos a não ser você. E eu tenho certeza de que você não faz ideia do quanto isso é desesperador e esperançoso ao mesmo tempo.

- Não eu não faço.

- Eu nem... nem me lembro do que aconteceu ontem. As imagens estão aqui. Mas estão fragmentadas e embaralhadas - ele colocou as mãos sobre o rosto.

- Você precisa se esforçar - Clary parou em frente a Samuel, que a encarou. Uma sensação estranha se espalhou pelo estômago da jovem.

- Estávamos voltando de uma festa.

- Você e mais alguém?

- Sim. Não consigo ver quem, mas... O carro derrapou e bateu em uma árvore próxima daqui. Depois de algum tempo, eu não faço ideia do quanto, eu me dei conta de que estava parado em frente ao meu próprio corpo. Eu estou morto, Clarissa.

Eram muitas informações a serem processadas.

- Então... - ela caminhou até o outro lado da sala. - O que deveríamos fazer?

- Pensei em visitar o necrotério municipal. Os corpos são liberados a cada dois dias para o enterro então teremos algumas horas amanhã - de repente, o celular de Clary começou a tocar. A menina gesticulou pedindo um minuto.

- Alô?

Filha! Como você está? Está chovendo muito aí também? - era Gabriela do outro lado da linha. Soava insegura e nervosa.

- Oi mãe - uma pausa. - Eu estou bem - respondeu.

Já jantou, querida? Estou preocupada com você aí sozinha - sozinha não era exatamente a condição em que a jovem se encontrava, mas sua mãe não precisava saber.

- Já. Não se preocupe tanto comigo, além do mais, amanhã a noite estarei aí novamente.

Filha? - a mulher disse após um instante de silêncio.

- Estou aqui.

Me perdoe. Me perdoe por não ter te dito antes sobre os seus pais biológicos. Eu tive muito medo de te perder. De perder mais uma filha.

Clarissa não conseguia pensar em uma resposta para dar a mãe adotiva, que um ano antes de adotá-la havia perdido uma filha de seis meses.

- Você não precisa se desculpar todos os dias por isso - disse. - Descanse, certo? Amanhã nos veremos novamente e eu contarei a você e ao papai o que descobri sobre essa casa e os meus pais - mordeu a bochecha ao soltar o "meus pais".

Certo. Boa noite - e naquele momento, exatamente naquele momento, Clary desejou como nunca antes, estar do lado da mulher do outro lado da linha. Talvez Samuel também estivesse se sentindo assim.

- Boa noite. Eu te amo.

- Eu também te amo.

O rapaz notou o quanto aquela ligação havia abalado a menina de cabelos negros.

- Você deveria descansar também - sugeriu.

- Eu... - apontou para cima, desconcertada. - Amanhã continuamos essa conversa - Clarissa se virou em direção às escadas e tratou de subi-las, sendo interrompida por Samuel.

- Clarissa? - ela voltou-se novamente para a sala. - Será que eu posso dormir com você? Prometo não te atrapalhar ou te assustar - aguardou uma resposta, mas não a obteve. - Eu também posso dormir no chão. É só que... - pensou em justificar aquele pedido, mas talvez não valesse a pena. - Por favor - insistiu, piscando um olho só, o que a menina achou uma graça.

- Não brinque com as lâmpadas - respondeu e ele fechou os dois olhos, incrédulo.

As Luzes do CasarãoOnde histórias criam vida. Descubra agora