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Setembro é um dos meses de maiores variações climáticas.

Difícil imaginar que um dia que nasceu tão lindo - o céu amanheceu limpinho, sem nuvens, uma mistura de vários tons de azul e o clima se manteve deliciosamente agradável, nem quente, nem frio - poderia converter-se em um temporal daquelas proporções, com rajadas de vento, trovoadas e relâmpagos impressionantes.

Ainda mais difícil de imaginar que o temporal repentino foi o doloroso golpe que sofreu em seu coração, que agora jazia em pedaços ridículos no chão.

Não o seu coração, o órgão. Mas sim o delicado coração de porcelana que comprou por encomenda como presente de aniversário de namoro. Para ele.

Sorriu ao relembrar todos os momentos doces que viveram juntos, todas as surpresas e alegrias que aquele relacionamento lhe trouxera. Com ele, fora, realmente, feliz naqueles últimos meses, como nunca imaginara possível.

E tudo em troca de entregar-se de corpo e alma, sem pensar duas vezes, no que fora o acontecimento mais surpreendente da sua vida: apaixonar-se. Por ele.

E, agora, o seu presente de aniversário jazia no chão molhado pela chuva, após ter tropeçado em seus próprios pés, atrapalhada na pressa de fugir do temporal.

Aquele realmente foi um descuido infeliz. O lindo coração, customizado e feito por encomenda, custou um preço exorbitante, considerando que o objeto não consistia em mais que poucos centímetros de cerâmica - aquilo não era porcelana nem aqui nem na China, ela dissera ao vendedor quando recebera seu pacote, mas este insistira que aquilo era, sim, senhora, porcelana, porém era um material novo, importado e caríssimo, justificara-se ele, insultado.

Balançando a cabeça e conformando-se de que teria sido melhor ter solicitado à loja que enviassem o pacote, seguramente, para o seu destino, ela passou as mãos por suas roupas, agora encharcadas, e perguntou-se se sua aparência seria tão ruim quanto pensava.

Não se importou muito com isso, o que mais queria no momento era sair daquela chuva e adentrar a casa confortável e quentinha do seu namorado. Aproximou-se da porta e tocou a maçaneta, franzindo o cenho ao notar como suas mãos estavam trêmulas, assim como todo seu corpo e seus dentes, que batiam sem pausas, fazendo-a retezar o maxilar, imaginando se ficaria banguela caso continuassem batendo nesse ritmo por muito mais tempo.

Estacou na porta ao ouvir o som de vozes animadas e gargalhadas por trás da porta. E o que ouviu a seguir conseguiu congelar todo o resto do seu corpo.

As palavras que ouviu poderiam ser dirigidas para outra pessoa, não ela. Entretanto, conhecia bem aquela voz, e já o ouvira usar aquele mesmo tom zombador e sem vida antes para outras pessoas. Mas nunca para ela. Não para ela.

Paralisada onde estava, ouviu os relatos de como fora sua vida nesses últimos três meses sobre outro ponto de vista. Nada foi como pensou. Tudo não passou de uma ilusão. Um jogo.

Uma aposta.

Recuando, sentindo todo seu corpo trêmulo e uma dor crescente em seu peito e estômago, virou-se com um único desejo: fugir dali e fingir que aquele dia e todos os outros que julgara terem sido os melhores e mais felizes da sua vida nunca existiram.

Estacou novamente ao pisar em algo que rachou aos seus pés.

Que irônico, pensou. Como um dia que começara tão lindo poderia converter-se em um temporal daquelas proporções.

Ainda mais irônico que o temporal repentino foi o golpe doloroso que sofrera em seu coração, que agora jazia em pedaços no chão.

E daquela vez não fora um objeto.

MINHA METADE - SÉRIE RECOMEÇOS | LIVRO I  Onde histórias criam vida. Descubra agora